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 — ESTHER.

Acordei ensopada, de um sono profundo, e a primeira coisa que vi foi o rosto da dra. Nolan flutuando à minha frente e repetindo "Esther, Esther".

Esfreguei os olhos com a mão mole.

Atrás da dra. Nolan vi o corpo de uma mulher vestindo um robe xadrez amarrotado, jogada sobre uma maca como se tivesse acabado de desabar de uma grande altura. Antes que eu pudesse assimilar mais alguma coisa, porém, a dra. Nolan me conduziu por uma porta e saímos para o ar fresco e o céu azul.

Todo o calor e o medo haviam sido expurgados. Eu me sentia surpreendentemente em paz. A redoma de vidro pairava, suspensa, alguns centímetros acima da minha cabeça. Eu estava aberta para o ar que soprava ao meu redor.

— Foi como eu te falei que seria, não foi? — disse a dra. Nolan, enquanto caminhávamos de volta para o Belsize, pisando sobre folhas secas que estalavam sob os nossos pés.

— Sim.

— Bom, vai ser sempre assim — disse ela com convicção. — Você vai receber o tratamento de choque três vezes por semana, às terças, quintas e sábados.

Engoli em seco.

— Por quanto tempo?

— Isso depende — disse a dra. Nolan. — De você e de mim.

*

Peguei a faca de prata e quebrei a ponta do meu ovo. Então larguei a faca e olhei para ela. Tentei lembrar o motivo de já ter amado facas, mas minha mente escapuliu da armadilha do pensamento e alçou voo como um pássaro pelo ar.

Joan e DeeDee estavam sentadas lado a lado na banqueta do piano. DeeDee ensinava Joan a tocar uma parte do "Bife" enquanto ela tocava a outra.

Pensei que era triste que Joan parecesse tão equina, com aqueles dentes enormes e olhos esbugalhados, mais parecidos com pedrinhas cinzentas. Não era à toa que ela não conseguira sequer segurar um rapaz como Buddy Willard. E o marido de DeeDee estava obviamente morando com alguma amante e tornando-a amarga feito uma gata velha e bolorenta.

*

— Te-nho uma car-ta — cantarolou Joan, enfiando a cabeça despenteada para dentro da minha porta.

— Bom pra você. — Mantive os olhos fixos no meu livro. Desde que o tratamento de choque acabara, após uma série curta de cinco sessões, e eu ganhara permissões para ir à cidade, Joan me perseguia como uma enorme e ofegante mosca-das-frutas, como se a simples proximidade permitisse que ela sugasse a doçura da minha melhora. Seus livros de física haviam sido confiscados, assim como as pilhas de cadernos espiral empoeirados, cheios de anotações, que abarrotavam seu quarto, e ela estava de castigo outra vez.

— Não quer saber de quem é?

Joan entrou no quarto e sentou-se na minha cama. Ela me dava nos nervos. Eu queria mandá-la sumir dali, mas não conseguia.

— Tá — eu disse, enfiando o dedo entre as páginas e fechando o livro. — De quem?

Joan tirou um envelope azul-claro do bolso da saia e o agitou provocativamente.

— Mas que coincidência! — eu disse.

— Como assim que coincidência?

Fui até minha escrivaninha, peguei um envelope azul-claro e o agitei diante de Joan como um lenço de adeus. — Recebi uma carta também. Me pergunto se as duas são iguais.

— Ele está melhor — disse Joan. — Já saiu do hospital.

Houve uma pequena pausa.

— Você vai se casar com ele?

A Redoma de Vidro (1963)Onde histórias criam vida. Descubra agora