— Eu vou ser psiquiatra.
Joan falava com o entusiasmo ciciante de sempre. Estávamos bebendo cidra de maçã no salão do Belsize.
— Ah — eu disse secamente. — Legal.
— Tive uma longa conversa com a doutora Quinn, e ela acha perfeitamente possível. — A dra. Quinn era a psiquiatra de Joan, uma mulher solteira, brilhante e perspicaz. Sempre achei que se ela fosse minha médica eu provavelmente ainda estaria no Caplan ou, mais provavelmente, no Wymark. Havia algo de abstrato na dra. Quinn, o que encantava Joan mas me dava calafrios.
Enquanto Joan tagarelava sobre egos e ids, foquei o pensamento em algo diferente: o pacote marrom na minha gaveta. Eu nunca conversava sobre egos e ids com a dra. Nolan. Na verdade eu não sabia sobre o que conversava com ela.
— Estou indo morar fora daqui...
Voltei a prestar a atenção em Joan. — Onde? — perguntei, tentando esconder minha inveja.
A dra. Nolan havia dito que minha faculdade me aceitaria de volta para o segundo semestre, com a recomendação dela e a bolsa de estudos de Philomena Guinea, mas como os médicos proibiram que nesse meio tempo eu voltasse a morar com a minha mãe, eu estava vivendo na clínica até que as aulas recomeçassem.
Ainda assim, achava injusto que Joan saísse de lá antes de mim.
— Onde? — insisti. — Eles não vão deixar você morar sozinha, né? — Fazia apenas uma semana que Joan tinha voltado a ganhar permissões para sair.
— Ah, não, claro que não. Vou morar em Cambridge com a enfermeira Kennedy. A companheira de quarto dela acabou de se casar, e ela precisa de alguém pra dividir o apartamento.
— Parabéns. — Ergui meu copo de cidra e brindamos. Apesar de minhas profundas restrições, eu achava que sempre teria carinho por Joan. Era como se tivéssemos sido forçadas a conviver devido a alguma circunstância avassaladora, como a guerra ou a doença, e compartilhássemos um mundo comum. — Quando você vai sair?
— No começo do mês.
— Legal.
Joan ficou pensativa. — Você vai me visitar, não vai, Esther?
— Claro.
Mas pensei comigo: "Acho que não".
*
— Tá doendo — eu disse. — Deveria doer?
Irwin ficou em silêncio. Então disse: — Às vezes dói.
Eu havia conhecido Irwin nos degraus da biblioteca Widener. Eu estava no topo da longa escadaria, olhando os prédios de tijolo vermelho que cercavam o pátio repleto de neve e me preparando para pegar o bonde de volta para a clínica, quando um jovem alto e de óculos, de aspecto feio mas inteligente, apareceu e perguntou: — Você sabe que horas são?
Dei uma olhada no meu relógio. — Quatro e cinco.
Então o homem passou o monte de livros que estava carregando de um braço para o outro, revelando um pulso ossudo.
— Mas você tem relógio!
O homem olhou com pesar para seu relógio, ergueu-o e chacoalhou. — Está quebrado. — Abriu um sorriso cativante. — Aonde você está indo?
Eu quase falei, "estou voltando pra minha clínica psiquiátrica", mas o homem pareceu promissor, então mudei de ideia. — Pra casa.
— Quer tomar um café antes?
Hesitei. Tinha que estar de volta à clínica até o jantar, e não queria me atrasar às vésperas de ser liberada.
— Um cafezinho bem pequeno?