De volta para casa

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Eu estava frustrada. Minha última temporada na Itália foi um fiasco, fiquei no banco a maior parte do tempo e o Lavarini só me colocou em quadra pra tentar fazer milagre quando estávamos perdendo. Mesmo quando eu conseguia me destacar durante o pouco tempo em quadra, o banco não deixou de ser uma realidade para mim. Se continuasse assim minhas chances de estar nas olimpíadas de Paris 2024 eram nulas, então tomei uma decisão que chocou muita gente: voltar para o Brasil.

Tomar essa decisão me tirou muitas noites de sono, mas eu tinha tudo planejado: queria ficar no Brasil até Paris 2024 e depois disso voltar para a Europa, de preferência sendo campeã olímpica. O curioso disso tudo é que eu poderia me manter na Europa agora, ao fim da temporada no Novara diversos clubes me procuraram e eu tenho certeza que seria titular na maioria deles, mas o que também me puxava para retornar ao Brasil era ficar mais perto da minha família e me manter em evidência na Superliga, que é sempre um passo importante quando se pensa na seleção.

Aceitei a oferta do Minas Tênis Clube, afinal, não eram muitos clubes que conseguiriam arcar com meu salário, e o Minas era o que mais precisava de alguém na posição de oposta. Minha última passagem por lá não foi das melhores, mas eu estava voltando muito mais madura tecnicamente e esperava ter um pouco mais de moral no Brasil após minhas atuações em Tóquio 2020. No Minas eu encontraria boas amigas, principalmente Naiane, além de duas companheiras de seleção: Macris e Carol Gattaz.

O fato de Carol Gattaz estar no Minas me causava uma pequena ansiedade. Ela me ajudou muito na minha primeira passagem lá e nos aproximamos bastante, mas a realidade é que temos personalidades muito complicadas. Apesar de nos darmos bem a maior parte do tempo, com a convivência começamos a ter alguns desentendimentos, tanto em relação a assuntos dentro de quadra quanto fora dela. Como passamos anos só jogando juntas na Seleção as coisas se acalmaram um pouco, mas meu medo é que o dia a dia desperte esses antigos problemas.

— Ainda não acredito que tu acordou cedo só pra me buscar no aeroporto — Falei para Nai enquanto me acomodava em seu carro.

— Me arrependi no instante que o despertador tocou, mas aí já era tarde demais — Ela me respondeu e realmente parecia cansada por trás de seus óculos escuros. Se tinha uma pessoa que gostava mais de dormir do que eu, essa pessoa era Naiane.

— Vai a merda, sei que tu estava com saudades de mim e contando os dias pra eu chegar.

— Tava mesmo, amiga. Seu quartinho lá em casa tá pronto, comprei até aquele incenso que você gosta.

— Tu sabe que vai ser por pouco tempo, né? Semana que vem já pego as chaves do meu apartamento.

— Ainda bem, assim não preciso aturar você roncando por muito tempo. Tenho certeza que vou ouvir mesmo estando em outro quarto!

Revirei os olhos e dei um tapa na perna de Naiane. Acho que foi um pouco mais forte do que eu pretendia porque ela ficou reclamando por um tempão e começou a fazer um drama de que poderia ter batido o carro por causa disso. Nossa amizade sempre foi assim, a gente se implicava o tempo inteiro mas nós duas sabíamos o quanto éramos importantes uma para outra. Chegamos em sua casa e eu estava exausta da viagem, então tomei um banho e fui direto me deitar. Algumas horas depois acordei e encontrei Nai deitada em seu sofá criando uma playlist no Spotify.

— Coloca uma roupa decente — Ela disse encarando todos os detalhes do meu pijama da mulher maravilha.

— Por que? Tá me desejando?

— Me respeita, Maria Rosa! É que vamos receber visitas.

— Ai Nai, quem tu chamou? Não tava nos meus planos socializar com ninguém além de você hoje — Deitei no sofá colocando os pés em cima da perna dela.

TentaçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora