O querer demasiado da nossa imperfeição;

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#AmareloEAzul

Sol,

Sempre fui um astro pequeno se comparado a sua extensão, mas não me preocupei em te encarar naquele santuário de natureza em que vivíamos. Talvez seja por medo ou por achar que nunca seríamos iguais. Éramos tão opostos e eu nunca soube confiar que daquela diferença iria surgir algo. Mas nasceu. A nossa peculiaridade de tom se fez única demais para viver eternamente apagada por uma distância já escrita.

A primeira vez que te notei no jardim, você encarava aquelas flores de estrelas como se fosse uma grande obra de arte. Então, eu me vi preso na sua visão calma. Mas eu ainda era tolo, Sol, pois nunca soube me esconder totalmente e não deixar transparecer o que eu sentia. Sinto. E sentirei.

- Fico imaginando se foram estrelas cadentes que caíram e se fragmentaram para formarem novas flores!- Sua voz soou alta e eu me assustei quando percebi que você me dirigia as palavras. - O que você acha, Lua?

- Você... Hum, você sabe quem sou? - Perguntei meio hesitante, retirando o fio do meu rosto e abaixando a música que rodeava pelos meus fones de luz.

- Por quê eu não te conheceria, Lua? - Ela rebateu e eu dei os ombros- Você é uma das minhas companhias mais anómalas da nossa vastidão, creio que seria uma grande falta de educação não te notar.

- Anómalas?- Franzi a testa com aquela palavra.

- É alguém diferente. Peculiar. Dessemelhante!- Você divagou sozinha, murmurando sinônimos e sorriu quando se voltou a mim - Mas ainda não respondeu minha pergunta, Lua. É uma baita falta de educação deixar minha questão a beira mar.

- Sobre as flores, sim... Eu iria responder, mas a senhorita não me deixou pensar a respeito. - Relembrei vagamente e tombei a cabeça para o lado- Nunca me peguei pensando sobre isso, na realidade não havia notado as flores com tamanho cuidado. Elas estão aí desde que existimos, não acho que alguém já tenha olhado para elas antes e pensando no porquê existem.

- Talvez elas só quisessem que alguém tentasse descobrir como elas se formaram!- Ela passou suas mãos pelas pequenas estrelinhas. - Por exemplo, na Terra os humanos estudam todo o funcionamento dessas pequenas, mas aqui... acho que apenas as achamos lindas. É triste não ter toda a narrativa, mas somente o meio para o fim.

Você sempre foi assim, Sol. Não é atoa que seu reflexo se pareça tanto contigo que até aperfeiçoou sua afeição por palavras. Porém, foi naquele momento que senti algo em bater diferente em mim. Foi por conhecer uma parte sua que meus olhos se fixaram em ti e nunca a deixaram, mesmo que fosse muito difícil na nossa posição.

- Você é inteligente, Sol!- Acabei por dizer aquilo e, para minha surpresa, seus olhos encontraram um brilho inimaginável.

- Na Terra eu sempre ouço muitas reclamações sobre mim, pois, às vezes, esquento demais e, outras vezes, provoco um incômodo aos moradores de lá, mas nunca escutei tal adjetivo!- Suas mãos foram parar atrás de seu corpo e seu sorriso cresceu. - Obrigada, Lua, você fez minha existência mais feliz.

Nunca pensei que flores de estrelas seriam o início de nossa história. Pois você sempre fazia um esforço para nos encontrarmos por algum tempo, apenas para termos o privilégio de conversarmos sobre as curiosidades do lar inventado por nós.

Sempre tão pontual, você se sentava embaixo de nossa árvore de nuvens e contava alguma história Tais contos que você inventava com facilidade quando quando assumia sua versão original.

Então, quando a narrativa se findava, eu era convocado a criar algum poema sobre isso. E ficávamos lá, dividindo um espaço pequeno, ouvindo os sons dos planetas ao lado e murmurando melodias que eu conseguia captar da vida humana.

Nossa história nunca teve grandes momentos, porque nosso tempo era sempre tão limitado. Nunca houve fugas na madrugada, pois eu precisava estar lá em cima. Nunca houve encontros no meio do dia para contar as novidades de nossa caminhada, pois você era o astro mais importante para a vida.

Nunca fomos normais, mas isso não impediu que eu me apaixonasse por você. Porque, Sol, eu te amei na mesma facilidade em que você sorria. Eu te amei em segundos e milésimos que passei contigo, pois sua existência era sinônimo de pureza. Passei a te amar com a mesma facilidade que as pessoas me comparavam ao amor.

Pobres, humanos, eles nunca descobriram que o amor que existia em mim era ocasionada por ti.

- As estrelas ao seu redor conversam?- Você me perguntou em um de nossos momentos, enquanto sua cabeça se apoiava em meu ombro e seus dedos brincavam com o meu.

- Não, na realidade elas são bem ranzinzas. Parecem bastantes temperamentais! - Respondi, tentando esconder o sorriso que surgiu quando nossos dedos se entrelaçaram- O Céu fala contigo?

- Não, ele parece ser bem caladinho. Aquele pirralho azul!- Ri pela sua feição brava e, pelo impulso, apertei seu nariz, deixando nossos rostos próximos.

Sensações, Sol. Sensações sempre foi sua palavra predileta de divagar. Eu compreendi o motivo, quando nossa distância foi finalizada e eu senti seus lábios nos meus. Pele na pele. Toque. Nunca acreditei em algo que pudesse funcionar tão bem, mas nós dois pareciamos estar agindo de maneira tão certa enquanto nos beijávamos.

E quando você sorriu... Ah, Sol, quando você sorriu ao terminar nosso primeiro toque, eu soube que nada no mundo poderia me tirar aquela felicidade genuína. Nós. Eu e você. Apenas nós dois no nosso jardim e em nossa árvore do fim do mundo, eu soube que te queria em todas as suas fases e você me queria igualmente.

Mas por nos querer demais, desejamos nos encontrar mais e o mundo não estava preparado para um eclipse.

E foi então que o belo começou a ser tangencial e tornar-se pavoroso. Foi assim que nosso amor pareceu virar um erro. Ganhamos um negativo quando sempre achamos que era positivo. E isso nos quebrou.

E eu me sinto quebrado até hoje, minha luz. Você também se sente em cacos que nunca encontraram seus outros pedaços?

Com amor, Lua.

Cartas para Sol • Tempo + SenhoritaOnde histórias criam vida. Descubra agora