VIPASSANA

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O som violento e tempestuoso tornou-se tão longínquo quanto a memória que era, sendo substituído pelo pacífico ruído do leito azulado. Mínimas ondas que se chocavam contra a madeira grossa, o despertando completamente. O céu era azul novamente e repleto de nuvens macias. Não chovia, não poderia mais estar chovendo, ainda assim, seu rosto estava molhado e, em seu peito, havia uma dor desmedidamente sufocante. 

Suas palmas igualmente sangravam, devido as unhas que se cravaram em algum momento, quanto tempo já deveria ter se passado ?  o quão distante ele deveria estar de Xie Lian novamente ?

Sua visão sobre o mundo parecia outra, a forma como as coisas haviam acontecido injustamente. Mesmo após ter essa revelação, ele sentia mais por Xie Lian do que por sua própria situação, o quanto ele aguentou por todo esse tempo, se escondendo e sendo incriminado. A maldita enganação perpetuada por séculos que incubia Hua Cheng de tirar a vida daquele que amou, como tudo aquilo terminou em um conto tão absurdo como esse? 

Ele pensava em todas os finais variáveis que sua vida poderia ter seguido se ele tivesse acreditado cegamente em seu pai e matado Xie Lian. Se a bênção da verdade não lhe fosse oferecida de tão bom grado, ele teria vivido até o fim de seus dias com o peso de uma mentira? Era absurdo. 

Ele entendia agora, Xie Lian havia o perdido, e também seu tio, tão dolorosamente. 

Tudo o que possuía se foi, deixado sozinho em sua própria dor. Seu maior desejo por todo esse tempo, era poder acompanhar Hong'er em sua morte, por isso inicialmente não deu brechas para que Hua Cheng cogitasse a ideia de não retirar seu coração. 

Contudo, Hua Cheng e Hong Hua eram a mesma pessoa, por que ele havia o afastado tanto? 

Imerso em divagações, ele não se deu conta de onde estava, seu gradativo desejo de retornar apenas aumentou à medida que o silêncio começou a se tornar perturbado e as margens mais estreitas. Não houve um pingo sequer de alegria quando notou estar de volta em casa, os portões enormes e a grande muralha que corria por toda a cidade. 

– Não. – resmungou, os guardas lá em cima se agitaram ao ver a conhecida embarcação e aquele que nela estava. 

Gritando ordens entre si e anunciando a volta do príncipe herdeiro. A abertura das grandes barras de ferro pareciam tão pesados sobre a água, pesadas como seu coração estava agora, uma oração permanente se repetia em sua cabeça, rogando para que aquele mesmo dragão de água aparecesse e o levasse de volta. 

Não demorou para que o grande sino fosse tocado, badaladas repetidas em dupla, assim como no dia em que nasceu. Todos sabiam de seu retorno e, muitos começaram a se reunir pelos arredores. 

Hua Cheng permaneceu sentado enquanto o barco era empurrado para a margem e vários soldados o olhavam admirados, cheios de orgulho. 

"O que há para se orgulhar?", pensou. Era sufocante estar ali, como uma prisão enorme que o limitava. Logo, trouxeram para si um um corcel de pelagem escura. 

– Vossa alteza deve ir para casa e descansar de sua longa jornada, levaremos seus pertences imediatamente. – disse um guarda, alto e robusto que parecia radiante. 

Assim que pisou na terra, a certeza de que não havia mais o que fazer caiu sobre si. Antes que partisse, ele caminhou até seu baú, pegando o velho pergaminho e o escondendo em suas mãos, sobre a água, até mesmo as  lanternas não estavam mais lá. O caminho se foi, sua missão foi de certa forma cumprida, afinal, o coração do dragão branco estava consigo, pulsando sobre o seu ferozmente sempre que se lembrava daquela pessoa. 

É claro que a avenida até o palácio se amontoou de pessoas em poucos segundos, comerciantes, tecelãs, alguns nobres que passeavam por ali. Todos queriam ver o heroi que havia feito seu nome, esse pequeno momento o lembrou da recente memória que viu, o general retornando com seu poderoso exército. 

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