Dia Nublado

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As gotas começaram a cair no exato momento que atravessei a porta do ônibus. Talvez Zeus estivesse me observando de cima e esperando minha saída para ordenar a garoa. Minha casa ficava no fim da rua, longe do ponto.

Não queria me molhar e corri para debaixo da fachada de um edifício. O céu estava completamente cinza, sem vestígio algum de Sol.

Olhei para minha blusa parcialmente molhada, sorte que já era a volta do trabalho e não precisaria dela.

Falhei como adulto. Era temporada de inverno e, como todos os anos, deixo o guarda-chuva e a capa para comprar depois.

Queria estar deitado agora, confortável e sequinho, embrulhado em dezenas de lençóis.

A chuva se intensificou e recuei para fugir dos pingos. Acabei esbarrando em uma moça que estava atrás de mim. Eu não havia reparado sua presença ali.

-Desculpa. Não foi por querer.

Vi o rosto dela por poucos segundos e logo virei para onde estava.

Mas pelo pouco tempo que bati a vista nela, achei aquela pessoa muito familiar.

Guardei aquilo para mim, morrendo de vontade de encará-la de novo. Já bastava lhe esbarrar, ainda ficar observando a moça? Controle-se Gustavo.

Senti algo em meu ombro e não era chuva.

Ela tentava me chamar a atenção com seu dedo indicador.

A moça me observava séria, analisando cada linha do meu rosto. Fiquei assustado, até que um sorriso se formou.

-Gustavo? É você mesmo? Eu não quero parecer louca, mas eu te conheço.

Eu também a conhecia. Estava estampado na minha cara e na ponta da língua.

-Lembra de mim? Cristina?

Demorei um pouco, revirando minhas memórias com uma expressão paralisada, olhando pro nada.

Lembrei!

Como eu poderia esquecer da minha primeira namorada?

Ela segurava minhas mãos com muita alegria. Fazia muito tempo que não nos víamos.

-Como vai? Nossa. Saudade que eu tava de você...

Palavras rápidas e eufóricas se acalmaram e o roteiro da conversa continuou.

Cristina foi minha namoradinha da quinta série. Nossos pais eram muito amigos e sempre se divertiam com o 'quase namoro' dos filhos. Eu só lhe segurava as mãos e, na inocência, roubava alguns beijos na bochecha.

Ela me falou onde estava morando. A casa dela era pouco antes da minha, havia se mudado para cá a pouco tempo.

-Faço parte de uma companhia de teatro. Abrimos uma filial nessa cidade, espero ficar um bom tempo. E você? O que faz da vida?

Nossas falas terminavam com um sorriso e breves suspiros de alegria.

Falei que era cirurgião residente no hospital municipal, também lhe disse que meu pai era o diretor do hospital, e que ele ficaria feliz em vê-la.

A verdade é que eu mal via meu pai, ele sempre foi uma pessoa muito fechada.

Cristina mudou bastante fisicamente, mas sua personalidade parecia intacta. Suas respostas eram diretas e confiantes, aquelas pessoas que gostam de conversar te olhando nos olhos.

Ela caminhou até o meio-fio, deixando a chuva molhar seu corpo. Olhou para cima e me estendeu a mão.

-Não vai parar tão cedo. Venha.

SONHA COMIGO (ShortStory)Onde histórias criam vida. Descubra agora