Dezembro

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Não vi Cristina por uma semana. Sabia onde era sua casa, mas como bater em sua porta depois de um beijo inesperado?

Mesmo sem vê-la, não a tirei do pensamento por nenhum segundo.

Por vezes passei em frente a casa dela e andava lento, esperando que ela me visse pela janela e convidasse para um café. Todas as tentativas foram em vão.

Nenhuma silhueta de cabelo cacheado deu sinal pelo vidro, tão pouco saltitando no jardim para regar as plantas.

Desisti de encontrá-la novamente.

Passei por volta das sete da manhã para ir ao trabalho. Recai e fixei meu olhar para a casa de Cristina. Novamente não a vi.

Suspirei fundo e continuei a caminhar.

Entrei na cafeteria para tomar um Macchiato antes da chegada ao hospital. Não reparei nas mesas, fiz o pedido e aguardei olhando para lugares vagos do estabelecimento.

—Gustavo! Me faça companhia!

Finalmente encontrei Cristina...

Ela estava em uma mesa bem próxima, usava uma blusa laranja com detalhes escritos em grego, seus olhos estavam bem apertados. Parecia que acabava de ter acordado.

—Como está? Você sumiu de vez, se eu soubesse onde era sua casa, já teria ido te ver.

Fiquei sem jeito, tentei me desculpar e ela parecia não se importar.

Levantei o relógio e vi as horas no meu pulso. Ainda restava tempo para conversar.

—Como é trabalhar com seu pai?

—Mal o vejo, para falar bem a verdade. Não temos muito contato.

—Sei como se sente. Também não tenho sorte com meus pais. Vai fazer uns dois anos que nãos os vejo.

Era muito tempo. Mas Cristina queria se afastar ainda mais. Não queria ser indelicado e tentei não aprofundar nossa conversa neste assunto.

—É que Gustavo, eu preciso voar, entende? E com meus pais por perto eu nunca conseguiria minha independência.

Concordei com a cabeça. Puxei o celular e abri a galeria, a fim de mudarmos de assunto.

—Veja. Essa foto é do natal passado.

Cristina aproximou a vista e apertou ainda mais os olhos.

—Nossa, Gustavo. Como sua mãe envelheceu...

—Essa é minha vó. Eu não te contei, pensei que soubesse. Minha mãe morreu já tem muitos anos.

Cristina ficou pasma e se desculpou rapidamente. Estava tudo bem, mas me impressionou que a notícia não tenha chegado a seus ouvidos.

Terminamos o café e seguimos viagem. Ela também iria ao trabalho e fomos juntos.

Cristina rodopiava a cabeça para todos os lados, observando cada prédio da cidade.

—São Roque Gonzáles... Pouca coisa mudou... Mais comércios, mais pessoas, só que a energia desse lugar ainda é a mesma. Antiga, sabe?

Tentei compreender. A arquitetura realmente tinha traços antigos.

Cristina apoiou o braço em meu ombro e andamos grudadinhos. Ela parecia confortável ao meu lado. Meu coração quase que explodiu, será que ela conseguiu sentir meus batimentos afoitos?

—Não entendo por que você escolheu seguir a mesma carreira do seu pai. Tipo? Você tinha medo de sangue. Uma vez, caímos de uma árvore e você feriu o joelho, quase que você fez o mundo acabar naquele dia.

Ri um pouco, contei que com o tempo, o medo foi embora.

—Mas ser cirurgião não era o que eu sonhava para mim.

Cristina levantou as sobrancelhas, esperando que eu diga qual meu sonho de profissão.

—Eu queria mesmo, era ser astronauta.

—É, assim é mais difícil mesmo de realizar. Mas quem sabe a NASA te contrata para ser um 'médico-astronauta'? Seria de grande ajuda pra tripulação da nave.

Soltei um sorriso de lado, e também busquei respostas dela.

—Como conseguiu ser atriz de teatro?

—Depois que nos mudamos fiz um cursinho de artes cênicas, contra a vontade da minha mãe, claro. Havia uma companhia de teatro por lá e me inscrevi pra seleção. Fui aprovada, e cá estou.

Andamos grudadinhos até próximo do hospital, fiquei apreensivo, pois o tempo estava passando e nada sobre o beijo havia sido dito.

—C-Cristina?

—Pode falar...

—N-não sei como dizer...

—Fale, agora eu tô preocupada.

—Sobre nossa despedida... Daquele dia...

—O beijo? Você não gostou?

—Sim, sim. E muito. Mas o que existe entre a gente?

Cristina ficou em silêncio. Não estava mais decidida. Seu olhar penetrante parou de me encarar.

—Seria apressado demais se namorássemos agora?

—T-talvez, mas pode ser incrível também.

—Vamos nos reconhecendo mais um pouco, tudo bem? Quando estivermos prontos, podemos ir para algo mais sério. Fica assim.

O Hospital estava bem em frente. O combinado nos deixou desconcertados. Sem um roteiro para seguir. Cristina perdeu suas atitudes e ficamos frente a frente avermelhados.

Ela aproximou o rosto, pausando duas vezes. Esperei o beijo, ansioso. Nossos lábios se tocaram e aos poucos nos acostumamos.

Sorrimos aliviados, e ela foi para o teatro.

Foram três semanas de 'reconhecimento' de nós dois. Ia para a casa dela nos momentos de folga, lhe ajudava a decorar os textos e a ensinava procedimentos básicos de medicina. Foi um tempo bom de receber a energia um do outro.

O namoro ficou firme. Fiz questão de fazer várias chamadas de vídeo com minha vó. Cristina e ela se deram muito bem. Por outro lado, acredito que a mãe de Cristina nem sonhava com o novo relacionamento da filha.

***

Cristina era fascinada por mitologia grega. Normalmente, seus personagens tinham nomes gregos. Nosso filho teria nome de Apolo, eu já acho que isso é pra cachorro.

Era dezembro, início do solstício de verão, dia perfeito para darmos um passo a frente em nossa relação. Um dia perfeito para alguém que devorou todos os livros do 'Percy Jackson'.

Levei-a para uma ponte bem alta, onde o Sol pudesse se pôr inda mais tarde.

Cristiana sabia que eu planejava algo, era impossível esconder minhas mãos nervosas.

Ela se contentou com a premissa do motivo ser apenas o solstício. Contemplarmos aquele maravilho poente.

Perto de escurecer, e eu já nem me aguentava.

Ajoelhei ainda segurando uma de suas mãos. Mostrei o par de alianças douradas com nossos nomes em grego.

—Cristina. Quer casar comigo?

SONHA COMIGO (ShortStory)Onde histórias criam vida. Descubra agora