Eric

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"Os meus pensamentos sempre são vagos e difíceis de controlar. Algures, sinto alguém a entrar num carro e a porta a bater com força suficiente para eu ouvir o som a soar pelo parque empilhado de carros, à espera que os seus donos acordem dos seus sonhos para irem ter com eles e recomeçar tudo de novo. A correria para não apanhar trânsito na auto estrada. Às três da madrugada não costuma ter muita gente na rua mas carros é o que existe de mais nesse parque. 

Viro a direita e lá está o meu lindo carro à espera pacientemente por mim. Digamos que ele não irá a lado nenhum a não ser que fosse roubado. 

Um bang forte se fez sentir no meu peito, não foi roubado obviamente mas, sim, porque tinha alguém lá dentro. Logo o bang se acalmou e desacelerou lentamente e logicamente qualquer ataque cardíaco que estaria à vista se acalmou e adormeceu para outra altura e foi substituído pela raiva repentina. 

  - Aquele gajo… - praguejei entre dentes - o que faz aquele filho da mãe dentro do meu carro?


Não foi necessário destrancar a porta. Obviamente, ele não se deu a esse trabalho. Pensava sempre que era um super homem ou algo do tipo. Pensei para comigo enquanto batia com a porta. 

  - Olha lá pah. O que fazes aqui dentro?


  - Calma. Muita calma nessa hora. 


  - Calma uma ova. Cai fora!


  - Preciso de uma boleia e tu tens cá o carro, que mal tem eu entrar antes de ti. 


  - Põe te no cu de judas, seu otário! - gritei enquanto apontava para um lado qualquer. - Achas que sou a cona da mãe Joana ou quê? Desanda do meu carro. 


  - Essa não é a melhor forma de se dirigir ao seu irmão mais velho. Seu meio-leca. 


  - Sabes quantas vezes levaste o carro e fiquei eu a chupar no dedo essa semana?


  - Não faço a mínima ideia… 


Sempre que ele dizia essa frase a minha irritação aumentava de cinquenta por cento para cem e a tampa da panela de pressão simplesmente explode. Eu atirei-lhe com a merda da mochila, que nem sequer me lembrava de ter nas costas, a cara. Se foi a melhor atitude? Não. Não foi. Mas a minha panela de pressão já estava ao lume há muito tempo. E a tampa saltou-me sem que eu me apercebesse. 

  - Tu roubaste a merda do carro por cinco vezes nessa semana seu otário de merda. 


Obviamente, a mochila voltou a voar na minha direção com a mesma intensidade ou talvez mais do que a minha. Afinal, ele também tinha sempre uma panela algures ao lume. E a pressão da dele também estava sempre pronta a explodir. 

  - Seu incompetente. Já te esqueceste quem paga a merda da prestação dessa merda? - gritou e saltou-me a cara alguma saliva que eu me dei ao trabalho de limpar. A raiva estava lá. Tal como a minha. O motivo, obviamente, eram as mulheres que nos fodiam a merda dos neurónios em vez de nos foder a porra do nosso pau. - Eu pago essa merda porque tu não tens a merda da competência de o fazer. E sendo eu fiador, calhou ao papá aqui. Então fica quieto que farto estou eu de discutir nessa madrugada. 


  - Não me interessa quem paga, Miguel. 


  - A mim me interessa. O dinheiro sai do meu bolso todos os meses meu querido irmão. Todos os meses ralo a merda do meu cu, dia e noite durante doze horas ou mais naquele maldito hospital para pagar as minhas merdas e a esse bendito carro - retrucou o mais velho, enquanto fazia festas ao volante, ao se lembrar da quantia que pagava mensalmente pelo carro. 


  - Não te mandei arranjar a merda de uma mulher que não te serve de nada. 


- Não mete a gaja na nossa discussão. Seu merdas. 


  - Olha, como se não metesses a minha gaja na conversa na maioria das vezes. - disse o outro. 


  - Eric, essa conversa já deu o que tinha para dar. Vamos mas é embora que ao contrário de ti tenho responsabilidade para com o meu trabalho. 


  - E eu não tenho? - perguntou ele enquanto abria a porta. 

  - Onde vais? Não é suposto ires trabalhar? Fica aí sentado que eu te dou boleia. 

Não gostei de ouvir essas frases. O ranger dos meus dentes se intensificou à medida que a minha raiva aumentava. Ele estava no volante e isso queria dizer que iria levá-lo. Eu ficaria mais uma vez a chupar no dedo no final disso tudo. Não era nada daquilo que eu imaginava para o meu dia." 

Ascensão De Ethel: Caminhantes do Ontem Onde histórias criam vida. Descubra agora