Ascensão De Ethel: Caminhantes do Ontem

Acordar

Acordou no hospital, era de dia e não sabia ao certo quanto tempo teria passado na inconsciência. O sol brilhava intensamente, e os seus olhos mal habituados à luz, reagiram de imediato, mal se abriram. Lá fora, através das janelas conseguiu ver para além da fachada. Deixou-se ficar de olhos fixos a aquela beleza pois o céu lá no alto estava limpo.

Uma mulher entrou pelo quarto adentro, com os olhos extremamente vermelhos pelas lágrimas há muito secas, aproximou-se lentamente da cama. A sua voz rouca e trêmula demonstrou preocupação.

  - Miguel, diga-me que o meu menino está bem.

Ao ouvir a voz da sua mãe, preocupada como sempre, ele sorriu. Era fácil perceber que ela estava a chorar. Virou a sua cara e viu os tão esperados olhos azuis brilharem de alegria.

  - Meu menino! - exclamou em pranto. - Obrigada meu Deus. Muito obrigada por ter salvo o meu bebé.

Talvez não fosse sempre assim, ela não era uma mãe melosa, mas sim, rígida e rigorosa na sua forma de ser. Mas, naquele momento, ela estava a enchê-lo de beijos. Com as duas mãos à volta das suas bochechas, ele foi apertado contra o corpo da sua mãe e acarinhado.

Se tão somente soubesse que esteve em coma por dias e que ela quase se deu no seu lugar. A verdade é que a mãe teve que passar por um sufoco juntamente com o seu irmão para salvá-lo. Afinal, a vida não é dada de graça. Muito menos quando ela é dada pela segunda vez à mesma pessoa.

Para isso ser possível, a vida de alguém teve que ser boicotada. Dois irmãos algures estavam a passar pelo seu próprio sufoco. E como resultado disso a menina descobriu-se como Caminhante do ontem. Esses têm a habilidade de viajar no tempo. Muitas vezes saltam no tempo para poder salvar ou não uma pessoa.

Será que aquele jovem mereceu que o tivesse salvo? É que, para isso, ela fez com que o seu irmão pagasse caro pela sua escolha, pois Lucas era quem estava no local e pagou o pato. Perdeu as suas lindas asas para Groove, como forma de castigo por supostamente ter abandonado a órbita dos universos sem a devida autorização do seu Deus a quem servia, Bergen.

Quando na verdade a menina tomou a sua decisão e não se arrependeu. Em adulta ela continuou a tomar as decisões que tinha que ser tomadas e continuava a andar com a sua cabeça erguida e altiva, pois acreditava que nunca se deveria arrepender das decisões já tomadas. A vida teria que ser vivida e os olhos não deveriam se virar em demasia para trás.

Sempre em frente, é o que ela dizia na sua mente. Mas lá, uma vez ou outra, ela dava uma espreitadela ao passado, tanto como criança ou como adulta. Enquanto adulta, sentia-se impelida a ir em encontro do seu eu criança, algures no passado. Mas também, o futuro a chamava e ela se regozijava ao viajar no tempo e encontrar-se com a sua família algures num futuro distante enquanto criança.

Helika relembrava-se, a si própria, a decisão que tomara naquele dia. A luta entre uma Deusa e o seu irmão estava a acontecer e ela se sentia aflita. Receava que o seu irmão não era páreo para a Deusa que estaria a sua frente.

Não se conteve e nem se comoveu ao olhar para o homem deitado à sua frente. Theodore fazia exatamente aquilo que lhe foi dito; trazer de volta a vida aquele jovem. E usar a Helika para o ajudar. A bem ou a mal ela teve que o fazer.

Theodore os tinham avisado do perigo de enfrentar Deuses nos seus respectivos universos mas, mesmo assim, Lucas se aventurou a ir ao seu encontro. Era a sua única chance de escapar ao que lhe esperava. E, Helika não queria ficar sem o seu protector. O Armagedom não era um bom local para ser encarcerado. Para chegar até a Deusa, Helika teve que colocar alguém no seu caminho, o Eric. Mas para isso teve que fazer um pacto com o seu irmão mais velho, Miguel, e dificultar a vida do pobre jovem.

Miguel era muito mais do que aquilo que parecia ser. E foi Lucas e Helika que lhe deram aquilo que ele queria. O anel do Leonardo, que lhe daria a cobertura e o poder que tanto almejava ter. E Leonardo teria aquilo que procurava, um corpo humano para habitar, o Miguel. Leonardo era mais um caminhante do ontem com capacidade de se projetar, como essência, em objetos e  posteriormente em humanos. Mas não dominaria na totalidade o corpo e a mente daquele humano. Apenas até onde ele o deixar ir.

Miguel começou a ter noção de tudo o que se passava ao seu redor antes da adolescência e desde então tem feito tudo ao seu alcance para alcançar o sucesso que almeja junto dos Caminhantes do ontem.