Pisquei algumas vezes e esfreguei meus olhos. O espelho do banheiro masculino era grande e cobria toda a parede refletindo as seis cabines individuais e a porta de saída.
Liguei a torneira e joguei água sobre meu rosto, então apertei meus olhos com as pontas dos dedos. Sentindo minha cabeça pesada, assim como o restante do meu corpo, apoiei-me na pia larga e respirei fundo na tentativa de controlar a minha pressão.
Já fazia dois dias que eu não via mais a Clara e, desde então, consequentemente, eu fiquei com mal-estar e andava fraco. Minha mãe tentou ajudar com remédios e chás, mas não insistiu para que eu fosse a um médico. Na nossa conversa, ela disse que eu só precisaria descansar e aliviar minhas tarefas escolares, assim como passar alguns dias em casa para não piorar. Eu neguei, jamais perderia as matérias de aula. Além disso, eu precisava falar com Clara novamente.
Sequei meu rosto em algumas folhas de papel, respirei fundo outra vez e sai do banheiro carregando minha mochila. A porta dava para o corredor da sala de filmes e estava tudo silencioso e tranquilo. Caminhei pelo corredor vazio tocando na parede a minha direita em direção à outra porta que daria no corredor das salas de aulas. Sentia meu corpo doer entre as costelas e o desânimo atingiu minha respiração e pensamentos.
Eu estava abrindo a porta para sair no outro corredor quando ela se abriu para mim automaticamente. Afastei minhas mãos da maçaneta prateada, pisquei meus olhos para ver quem empurrava a porta de madeira e esbarrava no meu peito. Era um rapaz da mesma idade que eu, vestia uma calça jeans escura justa, tênis all star e uma camisa curta de cor azulada que se ajustava no seu peito e braços, mas deixava as bordas soltas acima do cinto de couro marrom. Derrubamos alguns papéis e pastas no chão e ele rapidamente agachou-se para apanhar. Fiquei um pouco constrangido, então parei cuidando ele juntar os papeis. Notei que o seu cabelo, tão escuro que se assemelhava a cor azul marinho, estava jogado para trás em camadas desuniforme e, conforme ele mexia-se para pegar as folhas, algumas mechas caiam pelas laterais do seu rosto, que dividia seu cabelo ao meio.
O rapaz, empilhando todas as folhas e pastas no seu braço esquerdo, olhou-me como alguém olha para um baú secreto e, despreocupado, ajeitou seu cabelo despenteado para trás. Encaramo-nos por um breve momento, sendo capaz de analisar os detalhes dos olhos negros quase azulados do garoto.
Então, um braço curto se estendeu pela porta abrindo-a totalmente entre os dois corredores. Uma cabeça apontou para mim, os cabelos castanhos caíram para frente balançando entre os ombros e os dentes montaram-se em um sorriso branco.
-E aí, rapazes?-Era Clara, que estava animada com algo. - Tudo bem, Danniel?
Clara, a garota do livro sobre criaturas, nos fitou examinando nossas expressões. O garoto olhava para mim, mas eu desviei o olhar para encarar Clara Lightghost, que já não a via desde nosso primeiro encontro há dois dias.
Segurei a porta com uma mão para que Clara relaxasse o seu braço.
-Oi, Clara. -A saudação saiu em coro e nos fitamos outra vez. Notei um riso contido dele, que fez com que eu pressionasse minhas sobrancelhas e ignorasse logo em seguida. Voltei para Clara:
-Estou bem. -Menti. Minha cabeça estava girando e minhas pernas bambas. E tudo intensificou quando Clara aproximou-se.
- Parece que você conheceu meu melhor amigo, Danniel. -Disse ela empurrando o garoto para corredor em que eu estava. -Julien Besançon, aluno de intercâmbio vindo da Itália e meu... -Clara fez uma pausa procurando algumas palavras e gesticulou rindo. -Quase primo.
Julian era alto, tinha massa corpórea avançada para um garoto de 17 anos, seu sorriso mostrava-se misterioso e encaixava-se no seu queixo quadrado assim como todo o seu maxilar. Ele estendeu a mão, cujo dedo indicador possuía um anel de prata e no seu pulso estava uma pulseira feita com peças de madeira e barbantes naturais. Fitou meu rosto como se ele estivesse guardando um segredo de si mesmo.
-Olá, prazer. -Disse ele com a voz firme, porém confortável e apertou minha mão. Sou do norte da Itália e voltei para cá depois de cinco anos. -Olhou para Clara alegremente. -Clara disse que você é bastante inteligente e entende de livros.
Fiquei desconfortável, atônito e intimidado. Encarei os dois primos assustado e apertei meu pulso com a mão direita desviando o olhar deles. Cocei minha nuca e balbuciei:
-Bom, eu gosto de literatura e afins. -Tentei sorrir. -Só isso.
-Deixa de frescura, Danniel. -Exaltou Clara encarando-me e parando do outro lado do Julien, segurando o braço do garoto. -Um garoto da mesma idade que nós, com uma tia que é bibliotecária e uma mãe advogada, não tem como ser acéfalo.
Julien riu timidamente, enquanto Clara gesticulava sua fala. Tentei entender, em meus pensamentos, quando foi que eu falei sobre minha mãe à Clara, mas nenhuma hipótese veio a minha mente. A porta se fecha e nós três ficamos no corredor vazio por onde eu caminhei.
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Danniel Magically e o Mundo dos Diferentes
Mystery / ThrillerUm nerd, uma garota popular e um aluno de intercâmbio. O que esses três adolescentes tem em comum além do vínculo com o Mundo Sobrenatural? Será os seus pais? Um livro que memoriza a história deles? Quem sabe um forte elo da amizade... Ou seria alg...