Capítulo Quatro

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Ian adorava que as coisas saíssem do jeito dele. Não havia nada mais satisfatório que uma negociação diplomática concluída com sucesso. Ele tinha uma segunda negociação pela frente, e não havia como prever o resultado. Seu irmão poderia ser tão do contra e imprevisível quanto o tempo da primavera. Depois de deixar a casa de Francesca, ele foi até Portman Square, mas descobriu que Dylan tinha saído. Grace, porém, estava em casa.
- Ian! - Com um sorriso largo e encantado, a cunhada se levantou e lhe estendeu as mãos quando ele entrou na sala de estar. - Dylan me disse que você estava em Londres. Foi uma pena eu não estar em casa quando você veio nos visitar ontem à noite.
- Também lamentei. Eu a vejo tão pouco! - Ele segurou as mãos dela e a beijou no rosto de afeição. Grace era magra, loira e linda, e uma das pessoas de coração mais generoso que Ian conhecia. Sem dúvida era a melhor coisa que já acontecera a seu irmão. Ela era muito sensata, qualidade que Ian admirava. A maioria das pessoas não tinha bom senso.
- Eu deveria ter escrito antes informando que estava a caminho de Londres - continuou ele, sentando-se na cadeira em frente à dela. - Mas não tive tempo de fazer isso. Essa missão diplomática surgiu de repente.
- Você toma um chá?
Ele fez que sim, e ela puxou o cordão que acionava a campainha, pendurado atrás da poltrona em que estava sentada. Um lacaio entrou na sala. Grace pediu um lanche, e poucos minutos depois ela enchia uma xícara com o aromático chá da China para cada um deles.
- Então você não está proibido de discutir essa missão diplomática? - acrescentou ela, recostando-se na poltrona com a xícara e o pires nas mãos. - Ou é uma missão secreta desta vez?
Ian também se recostou com o seu chá.
- Muito pelo contrário. Quero lhe falar sobre isso. Na verdade, minha cara Grace, para executar essa missão em particular, preciso da sua assistência.

No dia seguinte, baús, bolsas, caixas e malas estavam amontoados no foyer da casa de Cavendish Square, para serem transportados para a nova casa onde Lucia iria viver. Ela examinou as coisas empilhadas enquanto esperava com a mãe a chegada de Sir Ian.
- Eu só tinha uma pequena mala quando cheguei aqui, mamma - murmurou ela. - Estou partindo com vinte vezes mais.
- Nós realmente mantivemos a Bond Street muito ocupada, não foi? - concordou Francesca.
Lucia reconheceu o esforço da mãe em parecer animada, e mais uma vez se sentiu como se fosse uma menininha no internato.
- Isso é que é mudança, hein? - falou, sufocada, piscando para a pilha de bagagem, com os olhos enevoados. - Desta vez sou eu que deixo a senhora.
Francesca pegou o queixo da filha e olhou-a no rosto. Com as sobrancelhas franzidas, tentou parecer severa. Foi um fracasso total, como sempre acontecia. Francesca era rigorosa como uma gatinha.
- Nada de lágrimas.
- Não - concordou ela, forçando-se a sorrir. - Tenho a intenção de fugir e vir ver a senhora sempre que puder. Francesca suspirou.
- Você herdou essa teimosia de seu pai - disse ela, balançando a cabeça, mas sem grande desaprovação. - Sei que você não vai me dar ouvidos se eu lhe disser para não vir aqui, por isso não vou nem mesmo tentar. Mas se você vier me visitar mesmo, tenha cuidado para fazer isso direito. Lembre-se de que, na sociedade londrina, discrição é tudo.
- Mamma - disse ela com um riso incerto -, se eu consegui passar pelas freiras do convento e pelos guardas de Cesare, posso fazer qualquer coisa.
Naquele momento a carruagem chegou, e Lucia ficou contente, pois odiava despedidas. Ela se virou e saiu, mas, no último minuto, voltou correndo para a mãe.
- Meu aniversario será em apenas três semanas - disse ela, inventando uma desculpa para ficar mais um minuto. - Não se esqueça, mamma.
A mãe a acariciou no rosto.
- Eu alguma vez esqueci?
- Não. Mas a senhora às vezes se esquece das coisas. Eu só... queria lembrá-la.
- Prometo que não vou me esquecer. - Francesca lhe deu um beijo na testa. - Vá. Divirta-se, e tente não se preocupar com o seu futuro. Tudo vai dar certo.
Dessa vez, quando Lucia se virou, não olhou para trás e procurou se animar lembrando-se de que a sua nova casa não era tão longe assim.
Sir Ian se dirigia à porta da frente quando ela surgiu. Estava impecávelmente vestido e não tinha nem um fio de cabelo fora do lugar. Naturalmente, nenhum fiozinho ousaria macular seu casaco azul-escuro. Parecia menos humano que nunca. Ele parou na calçada enquanto ela se aproximava. Curvou-se e escoltou-a até a carruagem que estava à espera, ajudando-a a subir.
Havia mais alguém na carruagem. Quando Lucia se sentou, descobriu que estava ao lado da mulher mais encantadora que já tinha visto. O cabelo loiro cor de trigo escapava do chapéu creme, e seus olhos, verde-claros e límpidos como duas águas-marinhas, contrastavam vivamente com o vestido e as fitas do chapéu, azul-arroxeados. Diante daquela beleza dourada tão diferente da sua, Lucia não se conteve e ficou a admirá-la como se estivesse olhando uma pintura de Bellini.
A mulher se dirigiu a ela, e sua voz era quente e amistosa.
- Miss Valenti, sou Grace Moore - disse ela, deixando de lado a formalidade e sem esperar que Sir Ian entrasse na carruagem e as apresentasse.
Ela não poderia preocupar-se com formalidades, observou Lucia. Devido à sua aparência angelical, era difícil acreditar na história da fuga escandalosa contada por Sir Ian.
- Muito prazer - respondeu ela com sinceridade.
Grace Moore a estudou por um momento e então abriu um sorriso.
- Ian não me disse que você era tão bonita.
- Eu estava pensando a mesma coisa sobre você. Você se parece um pouco com uma Madonna de Bellini.
- Mas não tão piedosa, espero! Acho as pessoas piedosas muito cansativas, você não acha? A gente sempre sente que está abaixo dos padrões delas, e isso é muito desgastante.
- Você não tem nada a temer da minha parte quanto a isso - garantiu-lhe Lucia. - Eu vivi em um convento por quase um ano, e sempre estava exausta.
As duas riram, e Sir Ian, que estava na carruagem, comentou, ao se sentar ao lado da cunhada:
- Parece que as duas já se tornaram amigas.
- Vamos nos dar otimamente bem - disse-lhe Grace enquanto a carruagem entrava em movimento com um arranco e descia a rua.
Lucia estava inclinada a concordar com ela. Talvez fosse gostar da sua nova situação, afinal. Esperava que sim, depois de todas as manobras e truques que havia feito para conseguir isso.

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