Capítulo Treze

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A única vez que Ian tinha roubado alguma coisa na vida fora aos cinco anos, e as consequências de comer todo o pudim de ameixa da cozinheira dois dias antes do Natal tinham sido quatro dias de dor de barriga e um mês de castigo no quarto. Aos doze anos, foi pego beijando Mary Welton, filha de um empregado da fazenda, e aprendeu pela mão de seu pai o quanto doía um chicotinho de montaria. Houve aquele problema em Cambridge, naturalmente, e Tess. O primeiro problema tinha lhe custado um ano de esforços intensos para se recuperar nos estudos, e o segundo, três anos para superar a dor de um amor perdido. Essas experiências, juntamente com vários eventos semelhantes de sua vida, haviam-lhe ensinado uma importante lição.
Toda vez que ele fazia alguma besteira, tinha que pagar.
Esse fato ficou claro para ele mãos uma vez na manhã seguinte à bebedeira com Lucia. Quando acordou, o feixe de luz do sol que se infiltrava entre as duas cortinas fechadas o atingiu diretamente nos olhos, causando uma dor de rachar por todo o crânio. Ele estava pagando agora. E pagando caro.
Ian gemeu e se virou na cama com uma imprecação digna de um marinheiro de Portsmouth. A cabeça lhe doía como se fosse se partir ao meio, o estômago parecia de chumbo e ele tinha certeza que, durante a noite, alguém tinha enfiado um chumaço de algodão na sua boca. Concluindo que o melhor plano seria decidir o que fazer durante o dia ainda na cama, Ian voltou a dormir.
Algum tempo depois, o barulho de louça o acordou novamente. Ele abriu cuidadosamente um olho e encontrou Harper de pé ao lado do criado mudo, enchendo uma xícara de chá para ele. Depois de mistura ar o açúcar com a colherinha, o criado pôs a xícara na bandeja e se voltou para a janela. Antes que a mente entorpecida de Ian percebesse o que ele pretendia, Harper fez uma coisa impensável: abriu as cortinas.
- Pelas trombetas do inferno, feche essas malditas cortinas! - Ian cobriu o rosto o com o travesseiro, impedindo a passagem da luz.
- Sentindo-se um pouco indisposto hoje, senhor?
Ele se sentia como um morto. Restou com um grunhido vindo de baixo do travesseiro.
Harper pareceu entender que a resposta era afirmativa.
- Miss Lucia disse que o senhor poderia não estar se sentindo muito bem hoje de manhã, mas que ela gostaria de vê-lo logo que o senhor estiver em condições de descer. Ela disse que é importante.
- A não ser que a guerra tenha estourado entre Bolgheri e a Inglaterra - resmungou ele -, nada pode ser tão importante.
Ian pensou na noite anterior, em quanto havia bebido. Lucia havia consumido muito mais conhaque do que ele, e, se ele se sentia mal assim, ela deveria estar em condições lastimáveis. Aquele pensamento o animou um pouco.
Era mesmo para ela se sentir mal, que inferno! Ele se lembrava claramente de como ela o havia atormentado com aquele sorriso embriagado e aquela camisola entreaberta, de como ela se sentara ali, contando para ele todos os beijos que havia dado na vida, como se ele fosse o maldito do seu confessor. Pensou nela deitada naquela cama, toda jogada e tentadora, com aquela camisola subindo pelas pernas. Pensou em como ele havia sido honrado indo-ses embora. Isso quase o havia matado. Esperava que ela estivesse se sentindo muito mal naquela manhã. Seria muito bem-feito para ela.
Na verdade, ver Lucia no estado miserável provocado pela ressaca era uma idéia tão atraente que Ian achou que valia a pena sair da cama. Ele respirou fundo, jogou o travesseiro para o lado e empurrou as roupas de cama. Devagar e com cuidado, levantou-se.
Com a ajuda de Harper, conseguiu se barbear e se vestir. Quando desceu, encontrou Lucia só na sala de jantar, tomando o café-da-manhã. Quando ele entrou, ela levantou os olhos, radiante e sorridente em um vestido amarelo-claro, parecendo excessivamente animada para alguém que merecia estar sofrendo tato quanto ele.
Ele se sentou do outro lado da mesa.
- Onde estão todos está manhã?
- Isabel está lá em cima com a governante fazendo as lições. Grace está na sua de estar com a duquesa de Tremore, e Dylan acaba de sair para o Covent Garden, onde vai supervisionar os testes dos cantores para a nova opera dele.
Ian fez que sim com a cabeça. Esquecendo-se de toda uma vida de modos escrupulosamente corretos, ele jogou um cotovelo sobre a mesa e esfregou os olhos cansados. Depois de algum tempo, levantou a cabeça e deu com ela observando-o.
O sorriso havia sumido, e ela o estudava com uma expressão séria. - Você deveria comer alguma coisa - recomendou ela, empurrando um prato na direção dele e fazendo um gesto para um lacaio. - Você vai se sentir melhor.
Ele sentiu o cheiro de torrada com manteiga e imediatamente apoiou a cabeça na cadeira. O mero pensamento de voltar a comer alguma coisa na vida lhe causava repugnância.
- Sobre o que a senhorita precisava me ver? - perguntou ele sucintamente.
Antes de ela poder responder, o lacaio colocou um prato na frente dele. Ian fechou os olhos e engoliu em seco.
- Jarvis - disse ele em voz muito baixa -, se você não tirar a droga desse prazo de rins da minha vista neste instante, eu o mato.
Jarvis apressadamente retirou o prato.
- Espantoso! - Lucia balançou a cabeça e enfiou um garfada de ovos mexidos na boca. - Você bebeu menos do que eu, e eu me sinto maravilhosamente bem.
Aquele fato óbvio não contribuiu em nada para melhorar o humor dele. Ele olhou bravo para ela.
Nem um pouco intimidada, ela retribuiu o olhar, apertando os lábios, como que tentando sorrir. Depois de um momento, disse:
- Dylan me contou que você nunca conseguiu beber muito sem se sentir indisposto no dia seguinte. Ele estava certo, acho.
- Você contou a Dylan sobre a noite passada?
- Não. Ele notou os decantadores vazios na biblioteca hoje de manhã, e chegou à conclusão de que você tinha tomado uma bebedeira. Parecia bem preocupado com isso. Disse que isso nem parece coisa sua.
- E não é. - Ian fechou os olhos. - Estou ficando louco. É isso que está acontecendo. Devo estar ficando louco.
Lucia parecia não ter ouvido essa declaração referente à sanidade dele.
- Seu irmão me perguntou se havia alguma coisa errada com você, mas eu lhe garanti que não havia nada. Todos fazemos coisas imprevisíveis de vez em quando.
- Eu não. - Ele abriu os olhos. - Eu nunca faço coisas imprevisíveis. Nunca.
Lucia se absteve de lembrar-lhe que duas garrafas vazias de conhaque provavam que ele estava errado, e fez um gesto em direção a um colo alto colocado ao lado do lugar dele.
- Seu irmão deixou um remédio para você. É uma maravilha, ele disse. Foi ele mesmo quem o inventou.
- Dylan seria incapaz de inventar uma coisa dessas. - Ele olhou o líquido vermelho-amarronzado, em dúvida. - O que tem aí dentro?
- Suco de tomate - disse ela, mastigando uma fatia de torrada. - Suco de limão, condimentos, uma tintura de casca de salgueiro e algum tipo de bebida russa... vodca, acho que foi o que ele disse.
O estômago de Ian se torceu dolorosamente.
- Parece repulsivo.
- Tem algum outro ingrediente que eu estou esquecendo. - Ela fez uma pausa e uma careta ao tentar lembrar o que era. - Ah! - gritou ela, com um olhar triunfal -, suco de marisco!
Ian se levantou.
- Vou voltar para a cama.
Ele voltou ao seu quarto, ainda todo arrepiado de pensar em suco de marisco. Fechou as cortinas e tirou a roupa, e então se enfiou entre os lençóis frios de algodão, jurando que nunca mais faria nenhuma besteira na vida. Simplesmente não valia a pena.

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