Cabeça

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Cabeça estava desesperado. Seu filho mais velho, Marcos, tinha sido pego em uma batida policial. Eu conheci de vista o garoto em um dos famosos churrasco que Cabeça dava para a moçada da favela. só elite, como ele gostava de se gabar. A música alta, o cheiro de churrasco, como mina dançando até o chão e aquele rapaz franzino fazendo caricatura. Não é que o rapaz mandava bem! Ainda tinha guardado uma bela caricatura que ele tinha feito de mim. Entregou-me timidamente quando eu estava fumando na sacada e me fez companhia até os nossos cigarros acabar. Comentei que o desenho estava muito bom, ele ficou vermelho e aos poucos foi destravando. Foi ali que ele me confessou que queria fazer Artes. Cabeça e alguns amigos se aproximavam nesse momento, de longe Cabeça gritou "deixa de dizer bobagens, moleque". Os amigos de cabeça riram a não poder mais com o que achavam uma fala absurda do Marcos, eles não conseguiam entender como um rapaz que podia herdar os negócios do pai, preferia cursar uma faculdade. Contudo a despeito da chacota, 

Do outro lado da linha, dava para ouvir o choro da mãe de Marcos, uma cabeleireira dona de vários salões da zona norte e os berros do Cabeça. "Fodeu tudo doutora, os policiais estão em cima do meu menino". "Calma truta, vai chorar agora? Agora é seguir em frente. Vamos ver o que posso fazer". Alguém tinha que manter a cabeça no lugar antes que Cabeça perdesse completamente a cabeça. Que trocadilho infame. Aqueles momentos que tudo parece ferrado, mas você estranhamente ri. Na hora mesma liguei para um amigo policial que me passou uma fita. O menino estava muito encrencado, alegaram direção perigosa, posse ilegal de arma e tráfico de drogas. Senti o cheiro de armação para o Cabeça. Não sairia barato a liberação do rapaz. Vesti um blazer vermelho, coloquei minhas joias de ouro e fui até a delegacia. Era impressionante o que um look glamoroso era capaz de fazer. As plásticas também valeram cada centavo, disse ao ver a bunda marcando a calça de alfaiataria pelo espelho do elevador. Em um mundo capitalista, ostentação é poder. Com um pouco de malícia que eu adquiri nos anos de profissão, consegui o BO e mais algumas informações sobre o caso com o próprio delegado. O velho tinha uns 50 anos, usava um terno mal passado e tinha um cacoete de levantar a sobrancelha querendo parecer charmoso. A cabeça careca só não brilhava mais do que seu rosto gorduroso que tivo que passar desagradáveis ​​minutos fingindo achar interessante. Estava na cara que ele só queria tirar algum dinheiro do pai do moleque, mas com o BO cheio de furos não seria dificil livrar a cara do rapaz. Sai de lá com quase liberdade de Marquinhos na mão. Não sem antes deixar o numero do meu celular com ele. O desgraçado além de pegajoso, era casado. Mais uma para conta do Cabeça. 

Quando cheguei no escritório uma sala parecia ter sido varrida por um tufão. Alane tinha espalhado todos os livros de código penal sobre a mesa. Em uma mão ela comia uma coxinha, com a outra destacava um artigo com uma caneta de cor amarela. Elane além de minha irmã era minha sócia no escritório. Minha testa de ferro, minha mão esquerda e direita. Elane não nasceu para mandar, nem para coordenar. Faltava iniciativa. Mas não tinha uma tarefa, um pedido meu , que ela não desse conta. era só falar: preciso dos podres de tal pessoa. Elane ia pra delegacia, buscava jornais, boletim escolar e o diacho. E que do nada me trazia um relatório completo da vida do sujeito. A minha cabeça parecia que ia estourar. Era sempre tenso esse momento inicial de um processo, precisamos escolher muito bem as estratégias. Para piorar, o  telefone tocava sem parar. "Não vai atender, Alane?" Perguntei despejando minha frustração em cima da pobre. Será que não dava para perceber que eu estava super estressada? Com toda paciência do mundo, ela respondeu "Não, é um engraçadinho se passando por Mc já ligou mais de 10 vezes perguntando por você?" 

Tudo que me faltava era ter aquele projeto malsucedido de trombadinha no meu pé? Mas essa era uma preocupação secundária, não tinha tempo para isso agora. Enchi meu copo de café, pouco açúcar e deixei que a cafeína ativasse o meu cérebro. Sentei na cadeira de couro do escritório, temia que o sono me pegasse de jeito se eu fosse para o sofá. Uma por uma Alane foi me colocando a par de suas anotações. O telefone tocou novamente. Alane fez menção de se levantar, eu me antecipei e tirei o fone do gancho "alô". "Minha linda doutora, finalmente me atendeu" "Vei, eu não acredito que é vc. Estou cheia de coisa para fazer." "Desculpa, foi malzão. Só queria saber se vc não está a fim de sair, fazer alguma coisa, sei lá "" Não ". Desliguei o tefone na cara do MC. Puta que pariu, o moleque não desistia. 

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