17° / Não tenho medo da morte/SaintZee

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A noite era seu domínio, o céu sem lua era seu cenário favorito, mas naquela noite a falta da pequena esfera no céu, o fez sentir ainda mais sozinho, um anjo que um dia foi o mais puro e abençoado do céu, por um pequeno deslize foi jogado ao chão, tendo agora como missão ceifar a vida daqueles que um dia ele protegeu. Ser temido por aqueles a quem amava era a pior punição que um anjo podia imaginar em toda sua existência

Ele não era mais aceito no paraíso, e não era bem vindo no submundo, seu único refúgio seria o limbo, mas os gritos desesperados, pedindo por socorro para superar os próprios pecados, eram demais para o anjo. Zee, esse era o nome celestial que havia recebido, mas que nunca mais havia utilizado, Morte era como o chamavam agora, seu nome era gritado pelo tempo afora, pedindo por sua chegada ou implorando que ele nunca viesse, tirando um minuto pra si, simplesmente desligando tudo que o ligasse ao cargo, Zee se via agora em frente ao vidro da maternidade do Hospital Geral da Cidade, os delicados seres, quase imóveis nos pequeninos berços exalavam o toque do céus, a aura brilhava em tons de dourado e azul — Filho ou sobrinho ? – talvez por ter desligado seus " poderes" Zee não notou aproximação do garoto, depois de um pequeno sobressalto, ele se vira encarando o jovem que puxava conversa, Zee precisou de um minuto para respirar fundo, por um momento achou estar de volta ao paraíso, o ser a sua frente não poderia ser descrito de outra forma senão como, divino

A pele clara como as asas dos arcanjos do mais alto escalam, o sorriso era tão doce quanto o néctar das frutas nascidas no alto das montanhas sagradas, os olhos refletiam a pureza das paisagens, nos jardins da eternidade
— Hum, desculpa não quis atrapalhar seu momento – até a voz do garoto parecia saído de uma harpa angelical — Ah, na...não, desculpe, hum, e que na verdade eu não conheço nenhum deles – pela primeira vez em todos esses anos depois que caiu e se tornou quase humano, foi a primeira vez que Zee se sentiu envergonhado perante outra presença — Tudo bem, eu também não, mas posso passar horas aqui olhando esses pequeninos tão gordinhos e rosados – a risada que saiu dos lábios do menor, causou um arrepio contra a pele da morte
— Então você está em tratamento ou como acompanhante? – o pequeno garoto continuava puxando assunto, enquanto fazia caretas e conversava com os pequenos através do vidro, o homem não pode evitar um leve sorriso ao presenciar aquela cena — Apenas passando tempo – o homem não sabia por que continuava a trocar palavras com o mais jovem, Zee nunca teve interação de verdade com os humanos, pelo menos não uma que não envolvesse muito choro e súplicas — Ahh eu também, não tenho mais nada pra fazer aqui – a voz apesar de tranquila deixou transparecer a tristeza, mas ela vinha acompanhada, como poucas vezes a morte presenciou, era uma tristeza conformada, e antes que o menor falasse algo, ele já sabia, ele estava morrendo

— Tumor inoperável – disse o garoto dando pequenas batidinhas com o dedo em sua têmpora, Zee se manteve em silêncio por um tempo, por dois motivos, primeiro que nada do que ele falasse mudaria o destino do menor, e segundo que ele ficou um pouco surpreso com a forma displicente com que ele falava, ainda que Zee já tenha passado por aquilo inúmeras e inúmeras vezes, ver tal atitude de alguém tão novo era de fato surpreendente— O que vai fazer até lá? – dessa vez quem ficou surpreso foi o menor, já que não esperava nem de longe essa pergunta, o "lá" claramente indicava a morte, mas em geral não era assim que as pessoas reagiam a essa notícia — Sabe, isso é interessante você é a primeira pessoa que não diz que sente muito, ou fica com pena de mim – o garoto agora o encarava com olhos curiosos e um sorriso divertido nos lábios — Mudaria seu destino se eu dissesse tais palavras ? – agora foi a vez de Zee se virar e encarar o menor
— Não, provavelmente não – foi a conclusão do garoto.

Por alguns minutos ambos ficaram ali, apenas acompanhando os pequenos movimentos do outro lado do vidro — Gostaria de jantar comigo ? – perguntou o garoto ajeitando a bolsa atravessada no corpo. Morte não sabia como reagir diante do garoto, em geral humanos não se agradávam muito de sua companhia, se viam inquietos ao seu lado, mas o jovem estava tão amigável que Zee sentiu algo em seu peito, a curiosidade era mais forte do que tudo, por que aquele pequeno garoto o instiga tanto !? — Aceito – o sorriso do menor era ainda mais largo — Prazer sou o Saint.

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