Na cadeira da cozinha me encaixo
Ela tem minha silhueta, minha forma
A mesmíssima xícara de café aguarda
Marcada pelo meu beijo seco
Ao lado da garrafa que gorgoleja
A tarde invade revolta
E com ela minha lástima chega
Lastimo o cigarro que se desintegra
Um vulto de criança passar correndo
O mais velho cão estirado no carpete
Maldigo o telefone esbaforido que toca
A tv que, epiléptica, faz melódicos ruídos
E a chaleira assobiando um samba no fogão
Vejo a rua pela janela nua
Cinza concreto sob um cinza celeste
As nuvens animadas trazem terra molhada
Os panos dançam tango no vendaval
Um gatuno prepara sua cantiga
Sua companheira felina fareja a lua
E eu trago, vapor e fumaça trago
Na mesma cadeira da cozinha
Que moldei por anos e anos
Com as juras de todos os santos
Imaginando estar em outros ares
Talvez nas montanhas andinas
Ou nas praias quentes de Lisboa
E, apesar disso, a vida é boa.
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Meus Anos Mornos
PoesiaEram meus Vinte e dois mornos anos E as manhãs frias de toda segunda