Aqui ao Lado

Uma pergunta - Parte 3

- Qual o seu problema? - o Inasa pergunta depois de um longo e pesaroso silêncio - Não, sério, que raios você tá pensando, Shouto?

- Eu já te expliquei. Por favor, tente se acalmar e me escut-

- Não vou escutar merda nenhuma! Você sai, faz o que quer e eu que tenho que ficar de boa? - ele começa a pegar suas roupas espalhadas pelo quarto e vesti-las irritadamente, Shouto gostaria de apontar que ele colocou a cueca do avesso, mas acha por bem não dizer nada.

- Eu entendo que seja difícil de aceitar, mas se você tiver a chance de conversar com a Uraraka, verá que minha ideia não é totalmente inviável.

- Eu não tenho problema nenhum com ela! O problema aqui é você, Shouto, só você! VOCÊ diz que não liga para o seu pai, mas tá fazendo exatamente o que ele quer! VOCÊ que quer pedir a Uraraka em casamento DO NADA! VOCÊ que acha que precisa fazer de tudo por sua mãe sendo que ela nem te pediu nada assim e-

- Não ouse falar uma sílaba sobre minha mãe. - ele murmura ameaçadoramente - Você não entende nem nunca entenderá.

- Então me ajuda a entender. - ele se ajoelha na frente dele na cama, pondo uma de suas mãos enormes no joelho dele - Shouto... me conta.

Os olhos negros afiados dele brilham na penumbra do quarto, Inasa sempre o olha como se estivesse diante de um livro escrito em alguma linguagem arcaica, uma mistura de fascínio diante do desconhecido, mas em geral, apenas muita confusão e angústia por não compreender o que está lendo, ou tentando. Shouto aprecia tanto o esforço dele, a paciência e a doçura que são tão surpreendentes quanto são bem-vindas, o híbrido passa muito tempo na própria cabeça revivendo imagens que não vão embora, repassando táticas de combate e regras de etiqueta social e, muitas vezes, fantasiando cenários. O Inasa aparece em muitos deles desde o primeiro ano escolar, a postura hostil dele por aparentemente razão nenhuma - que depois se provou uma razão até bem razoável, Shouto não pode culpá-lo por achar que o filho do Endeavor seria exatamente como o pai - transformando-se num entusiasmo agressivo e uma necessidade de se tornar amigo dele, e depois mais que amigo. Sob uma ótica racional, Shouto nunca se atrairia por alguém como o Inasa: barulhento, impulsivo, honesto até demais e, apenas por uma questão estética, mais alto que ele por uma diferença grande de centímetros, totalmente o oposto do que o atrai e o atraiu até então, completamente diferente do Midoriya.

É difícil de entender porque ele gosta do Inasa até que esteja longe dele, o herói dos ventos traz uma paz interior inexplicável quando lhe manda mensagem de madrugada sobre alguma piada aleatória que Shouto acaba não entendendo, quando sorri e o cumprimenta, quando o empurra contra os armários do vestiário e o beija fervorosamente, mãos que exploram e afagam com ambição e paixão. Paixão, essa é a palavra que o define bem, Inasa joga seu coração em tudo que faz, é imprudente, muitas vezes estúpido, e é tudo que Shouto gostaria de ter coragem de ser.

Mas não, ele não tem a mesma capacidade de se arriscar. Para alguém que controla o gelo, o híbrido é alguém que caminha por sobre ele com o medo constante de cair. Shouto não se joga em nada que não tenha absoluta certeza de que vá dar certo. Em resumo, ele prefere a segurança, opta pelo caminho mais fácil. Ao invés de perseguir esse amor por um homem que o força a aceitar as semelhanças com o pai e o empurra para longe de sua zona de conforto, ele prefere ir atrás de uma mulher que não vê as semelhanças e o faz sentir leve, disposto a deixar o passado pra trás como se nunca tivesse acontecido. Uraraka não é a escolha mais segura apenas por ser mulher, mas por fazê-lo se sentir confortável e acomodado, as coisas são mais simples com ela. Não é que a colega seja simplória, longe disso, cada conversa com ela é uma surpresa diferente e ele se pega constantemente imaginando o que ela teria a dizer sobre fatos inusitados que vê por aí diariamente. Conviver com ela é como assistir a uma peça cômica aparentemente sem grandes pretensões além de entreter, mas que pode deixar o espectador pensando por dias nas mensagens implícitas até que se dê conta da pura genialidade escondida. Uraraka é tão incrível e nem se dá conta, é uma heroína com capacidades de estratégia brilhantes, uma mulher encantadora em quase todos os sentidos, uma amiga que sempre sabe dizer a coisa certa, por muitas vezes exatamente o que Shouto gostaria de ouvir. Ela não é o que ele quer, mas é o que precisa, ou talvez seja o contrário.