Coincidências de mercado

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Era uma manhã ensolarada, os raios penetravam por entre a cortina da sala e fazia meus olhos arderem pela claridade excessiva. Eles eram bem sensíveis à luz, quase como se eu fizesse parte da família dos vampiros, e, só pra constar, eu não me importava. Minha mãe sempre culpava o celular e o quarto escuro que eu fazia questão de deixar, mas não era como se eu fosse largar nem um nem outro.

- Quero que compre algumas coisas para mim - ela me entregou uma mini lista do que eu deveria ir buscar - E ande logo que hoje é domingo e toda vez eles fecham o mercado antes de meio-dia.

- Justo quando eu começo a assistir uma série... - resmungo e paro antes mesmo de terminar a frase, pois ela me encara daquele jeito que mães fazem quando estão prontas para brigar.

Pego o dinheiro e vou andando pela calçada estreita até chegar no mercadinho. Fiz tudo na maior carreira e lembro do neto do dono me encarar como se eu estivesse roubando tudo aquilo. Ele era quase da minha idade - ou mais velho - e sempre estava por perto, como um falcão disposto a atacar quem quer que parecesse suspeito. Tinha algumas tatuagens no braço e cara de marrentinho, mas a real é que ele não passava de um desempregado e ex-estudante, então ia ganhar uns trocados com o avô.

O caminho de volta teria sido tão entediante quanto a vinda, mas algo chamou minha atenção. Ele estava ali todo largado, solitário, esquecido. Tinha o formato de um doce e era vermelhinho, algumas espirais formavam seu desenho e era extremamente adorável, quase como uns que eu iria comprar na internet na semana do meu aniversário. Quem teria perdido? Eu até ficaria com ele se não tivesse apenas um, era mesmo uma pena. Assim mesmo eu o peguei e coloquei no bolso do short, não sei por qual razão, mas senti que deveria pegá-lo.

- Por que demorou tanto? - minha mãe questionou assim que larguei a sacola sobre a mesa, indo conferir se estava tudo certo como uma formiguinha indo atrás de açúcar.

- Eu estava batendo um papo com o dono, sabe... querendo saber quando a senhora vai terminar de pagar aquela continha...

- Continha? Tá mais pra uma avalanche de números infinitos. Eu juro que nunca mais compro nada nesse homem careiro depois de terminar de pagá-lo. - ela suspirou pesado, a situação não estava nada fácil.

Depois de organizar as coisas no armário, subi pro quarto a fim de terminar - ou começar - minha série, mas não contava que eu ficaria tão distraída com aquele brinco em mãos, rodando-o entre os dedos como se em algum momento ele fosse responder de quem ele pertencia. Era intrigante o fato da minha mais nova obsessão por ele, mas a curiosidade estava gritando ao meu pé do ouvido a todo instante.

E se a pessoa voltar para tentar encontrá-lo? No fundo sabia que, talvez, a tal pessoa nem ligaria para o fato de ter o perdido, provavelmente nem saberia onde o perdeu, mas minha cabeça negava tudo isso, criando mil e uma paranoias e afirmando que eu iria ficar com algo que não é meu.

Droga, era exatamente o que eu precisava: ficar encabulada por algo tão besta.

O saquinho de balas de gomas que eu havia pego estava quase acabando, eu estava segurando a última toda encharcada de açúcar granulado e era sabor morango, parecido com a droga do brinco. Por bastante tempo fiquei encarando o teto e imaginando como seria seu comprador, talvez alguma garota bastante linda; talvez um garoto bastante lindo; talvez eu só estivesse precisando de alguma desculpa para arrumar um bando de amizades.

Qual é? Eu não era nada boa nesse lance. Sempre quis saber como certas pessoas tem tanta facilidade, que não precisam ficar soando igual um porco pra trocar algumas palavras. Depois que mudei, recentemente, para essa cidade, não tinha muitas opções a não ser minha mãe, a vizinha, o dono do mercado ou ficar tentando decifrar o rabugento do seu neto.

Balinhas de Goma & aqueles fodidos brincos!Onde histórias criam vida. Descubra agora