Primeiro de Março - Íris

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Minhas mãos se fecham sobre o lençol vazio onde um dia foi ocupado por Lucas, me faz lembrar das risadas sem fim onde se perdia o ar, das noites de dinheiro curto quando que com ele o filme e a pipoca eram o melhor lugar para se estar mesmo a dez andares de infinitas oportunidades que São Paulo oferece. Hoje já não acordo com Lucas me arrastando para fora da cama, está certo que eu brigava e esperneava, mas ele sabia que adorava estar acordada ao lado dele. Lucas recebeu uma proposta de trabalho no Canadá e hoje fazem cinco meses que se mudou para lá. Eu amo o Brasil, amo a natureza, amo até a loucura de São Paulo e por este motivo não fui. A realidade é que frequentemente me pego pensando em como seria estar lá.
Em pé frente ao espelho as 11 horas da manhã afirmo que estou me superando e levantando "cedo". Aqui em São Paulo é fácil trocar a noite pelo dia, mas a realidade é que sempre gostei de dormir.
Fiz questão de comprar um espelho enorme e todos os dias acordar e me olhar nele me fazem arrepender. É que me pareço com um urso ou um leão, ou melhor, um urso panda com a juba do leão. Meus olhos inchados e meu cabelo armado me surpreende a cada dia com um susto diferente, só não descarto meu espelho porque as demais horas do dia o amo. Olhando meu cabelo padrão, padrão bagunçado tento me lembrar de como é ele estar adequado. Tenho cabelos cacheados "mulher dos grandes cachos" como uma amiga me chama. Em geral as pessoas gostam, mas sei o trabalho que me dá e por várias vezes já pensei em me render à progressiva. Dou aquela amontoada, junto, puxo e espeto com minha velha caneta Bic.
-Mais tarde me darei com você. -Falo comigo mesma, escovo os dentes e pulo na cama com o ultrabook. Mais fotos dele, mais amigos, mais mulheres lindas ao seu redor. Eu escolhi não ir e o rompimento do relacionamento foi inevitável. Hoje sinto falta de seu companheirismo, das vezes que saíamos em casais com amigos e principalmente do amor. Como sinto falta do amor. Ontem a noite alcancei meu extremo ao lembrar de nossos momentos, tentei me tocar, tentei senti-lo e gritei de desespero por ele não estar aqui.
A porta se abre em um estalar e surge então Maria corada e sem jeito, entra trazendo consigo várias sacolas.
Ah Maria como tudo seria mais difícil sem você. Ela é amiga leal, dedicada, além de ser uma bela e meiga mulher. Seu rosto é composto de traços finos e também tem um corpo esbelto. Ah como eu gostaria de ter aquele nariz todo delicado. Digo a ela que um dia irei roubá-lo. Desde que Lucas se mudou ela não sai de casa e isto é ótimo, amo sua companhia.
Um suspiro e a vejo recuperando o fôlego.
- Finalmente levantou Íris. Por você não estar comigo fui obrigada a aceitar ajuda daquelas mãos fortes do gato que mora no 308. Que homem! - exclama Maria ao fechar a porta.
- Levantei faz pouco tempo, você sabe como sou. Novamente se esbarrou com ele amiga? - Comento com um sorriso faceiro -Tenho minhas dúvidas se ele não te persegue.
- Nem me fale amiga. Não sei onde enfiar a cara todas as vezes que o vejo, não sei se corro, se me escondo ou se me jogo naqueles braços enormes.
Enquanto conversamos pego algumas sacolas da mão de Maria e vou vasculhando. Para minha agradável surpresa encontro nelas maracujá, gengibre, mel, creme de leite e salmão.
- Maria vamos preparar seu salmão? - Pergunto empolgada.
Ela faz o melhor Salmão que já provei. Grelhado ao molho de maracujá. Depois de pronto o sabor fica especialmente delicioso, como gosto de sentir aquela textura, aquela combinação.
- Sei do que você gosta não é Branquela! - Exclama Maria. - Ontem te vi tristonha antes de dormir então resolvi lhe fazer esse mimo. Se prepare pois hoje você irá se deliciar.
17:00 horas, hoje vou rever Nina. Nós conversamos diariamente, porém não a vejo desde que Lucas partiu. Éramos em quatro casais e costumávamos sair todos juntos, não sei como será sem Lucas.
Passo meu perfume, coloco um quadradinho de chocolate meio amargo sobre a língua e me apresso a sair do apartamento.
- Nina espero não ter feito você esperar amiga. Como você está? Olá, Edgar. Tudo bem?
- Estamos bem - Os dois respondem em uníssono.
- Não, não estamos. - Se corrige Nina ao se virar para mim. - Acredita que o Edgar desmarcou nossa viagem? Oito meses Íris e quando a data se aproxima ele desmarca.
- Amor sempre deixei claro como as coisas acontecem no meu emprego e lhe peço vamos conversar sobre isso em casa. - Só ouço e quando acho oportuno mudo de assunto.
- Amiga que saudade, vocês têm saído com Vanessa, Isa, Marcos e Augusto? Sinto tanta falta de nossos encontros. - Digo me projetando entre o vão dos bancos.
- Sim amor, você faz falta para o time das garotas e sofremos pela sua ausência. Assim hoje vim decidida em lhe ajudar a escolher uma nova paixão.
- Deixe disso Nina. Desde... Bem você sabe que não me envolvi com ninguém.
- Mas este é justamente o motivo Íris.
- Não Nina. Comigo não funciona assim, simplesmente não acontece. - Digo carrancuda.
Ao entrar no salão me deparo com aquela explosão de energia, da alegria estampada no rosto de pessoas diferentes, da satisfação em estar na pista de dança apoiada em um bom par e sentindo a canção. Me sinto bem e escolhemos uma mesa perto da pista de dança, Nina solta sua bolsa em meu colo ao correr com Edgar para pista, eles formam um lindo casal.
Edgar vem de uma família muito rígida o que lhe ajudou a chegar aonde chegou profissionalmente, porém vem sendo Nina a lhe mostrar os prazeres da vida. Um deles é a dança, hoje vejo que pegou gosto pois os dois dançam lindamente.
Após um tempo observando vejo Edgar se dirigindo ao balcão do bar Nina vem me acompanhar na mesa e ao sentar-se do meu lado começa com a brincadeira que fazíamos quando ambas eram solteiras, sim somos megeras fofoqueiras pois se trata de observar indivíduos e identificar suas características tirando conclusões sobre eles. Uma propõe o desafio e a outra tenta adivinhar.
- Ali de camiseta branca perto do bar conversando com a garota de turbante. - Me desafia, Nina.
- Por volta de 26 anos, conheceu a ela hoje. Ele está tão preocupado em impressionar que não consegue perceber que a única coisa que ela quer é ir para a pista e dançar.
Pelo jeito que ele se projeta para cima dela e como ela desvia o olhar ela vai dispensar ele em três, dois, um, .....um..... um.... Viu! - concluí sorrindo.
- Ali dançando envolvente com a garota de saia rodada e blusinha branca. - Proponho a ela.
- Mulherengo e safado. Não tem a capacidade de reconhecer o quão especial uma mulher pode ser e só pensa nelas como um parque de diversão. Provavelmente vai despejar seu texto decorado do manual dos cafajestes para cima da coitada e então ela entrará no Mustang dele.- Diz Nina.
- Nossa amiga! - digo espantada.
- Não é isso, Íris. Ele é o Pedro.
Lembra do cara que te falei a tempos atrás? Aquele que ficou indo atrás de mim e depois desapareceu.
- Hm lembro sim. Ele é bem bonito.
- Íris ele é o homem perfeito durante a conquista; romântico, educado e extrovertido. Faz a mulher imaginar como seria gostoso um relacionamento com ele, mas após conseguir o que quer acaba com suas expectativas.
- Amiga neste momento é de um homem assim que preciso. Um homem onde é impossível um relacionamento. - Explico.
- Balança o cabelo na frente dele e você terá o homem que quer gata.
- Não não Nina, ele não. Você já teve uma história com ele. Quero as características não esse tal de Pedro.
- Hahaha longe de ser uma história amiga, e outra você já teve outro homem além do Lucas? - Diz Nina sorrindo.
- Claro, mas faz tanto tempo que não lembro.
- Então ele é perfeito. Entre suas qualidades está a descrição, o mínimo a se esperar né. - Interrompemos o assunto pois Edgar chegou do bar com nossas bebidas.
Me pego a beira da pista olhando Pedro dançar enquanto toca Oferendar de Diego Oliveira. O jeito com que ele brinca com a música me tira sorrisos espontâneos, fico deliciada e me imagino dançando com ele. A música acaba e ele vem em minha direção, disfarço o olhar envergonhada.
Estou agora em seus braços. Ele passa suavemente sua mão direita pelas minhas costas a outra me fornece firmeza e segurança. Oferece seu rosto para um apoio completo e então flutuamos. Ele me corteja, me faz sentir especial, e por alguns segundos sinto como se estivéssemos só nós dois no salão. Toda a atenção dele é para mim e todo meu corpo é dele, lhe permito e ele me conduz, faz meu corpo se arrepiar.
Estou de frente para ele com as testas encostadas. Seus olhos penetrando minha alma me desconcertam, fecho os olhos envergonhada e viro o rosto. Sinto sua barba rala cuidadosamente aparada e deixo minha mão repousar sobre sua nuca.
Nossos passos são leves e são gostosas a sintonia e a conexão que temos neste momento. Ouço os últimos acordes da música e lamento por ela estar acabando. Eu o abraço, sinto seu cheiro mais uma vez, olho em seus olhos e agradeço.
Ele está olhando para mim sem falar nada. Não solta minha mão, o que me faz pensar que vai me convidar para uma nova dança, o que seria ótimo, mas ele me convida a acompanha-lo ao bar.
Tento localizar a Nina na pista de dança, mas não a vejo. Penso que não faria mal algum seguir Pedro e então me vejo frente a ele sentada em uma mesa perto do balcão.
Ele pede para mim o mesmo drink que lembro ser mencionado pela Nina, o que demonstra que deve fazer isso com várias garotas, estou disposta a relevar e quando Pedro pergunta meu nome me delicio com a ideia de constrange-lo, deixar claro que sei do joguinho batido que usa para cima das mulheres.
- Íris e o seu é Pedro. - respondo estudando sua reação.
- Então você me conhece, Íris. De onde?
Meus olhos cintilam com a oportunidade de tira-lo da zona de conforto.
- Não sei se pode ser considerado te conhecer. Sei que você é mulherengo e que ofereceu este mesmo drink a uma amiga minha. Lembra-se da Nina?
- Lembro. Nina excelente pessoa. Como ela está? Diz Pedro meio que sem graça.
Respondo e quando percebo, Nina e Edgar está sobre nós, ela cumprimenta Pedro, apresenta seu marido e logo após me informa que precisa ir.
Neste momento decido que vou passar essa noite com Pedro. Acho que é disso que preciso, uma noite de amor, uma noite para me libertar, para fugir da prisão que o passado me proporciona. Pedro deve ser sensível ao sentimento da parceira no ato do amor. Digo isso pela forma com que ele dança, seu carinho, sua preocupação, sua leitura corporal.
Informo a Nina que vou ficar, nós nos despedimos e me volto ao Pedro.
- Bem Íris você me descreveu como mulherengo, as referências dadas pela Nina não devem ter sido agradáveis. Confesso que fiquei curioso do por que você não ter ido com eles.
Então penso em uma maneira de dizer a Pedro que busco nele a mesma coisa que ele busca em mim.
- Olha Pedro pelo quanto que a Nina lamentou e te crucificou por ter sumido você deve ser muito bom na cama. - Então seguro a mão de Pedro, estudo seu olhar e digo.
- Vamos para meu apartamento ou para sua casa? - Ele ficou constrangido, gostaria de saber o que ele está pensando sobre essa minha atitude.
- Vamos para meu ape. - Pedro me diz.- Claro imagine se ele iria recusar... firmo os olhos e concluo o tão previsível um homem é em relação ao "amor".
Pego minha bolsa e pago minha conta enquanto Pedro se despede de sua amiga. Ao sair do evento Pedro me conduz até seu carro e o carro pode dizer muito sobre seu dono. É do tipo que as garotas mais novas se jogariam na frente para poder entrar. Temos uma conversa agradável durante o percurso até seu apartamento e em pensamento agradeço por não ter ficado aquele silêncio mortal. Ele é químico e trabalha em uma indústria com desenvolvimentos de drogas, remédios. Ao chegar em seu apartamento minhas pernas tremem, sinto meu coração bater na boca , minha vontade é de sair correndo, me pego pensando "O que estou fazendo?"
"Não, eu quero isso!" Repondo para eu mesma.
Ao entrar em seu apartamento tenho uma agradável surpresa. É sofisticado tem planta aberta e um mezanino lindo, porém o que me chamou mais atenção foram seus quadros, um deles em especial um quadro de Vicente do Rego Monteiro, suas pinturas são marcadas pela sinuosidade e sensualidade e Pedro tem o quadro "Natureza Morta".
- Vicente do Rego Monteiro. -Diz Pedro se dirigindo a mim.
- Natureza Morta. - respondo a Pedro - Amo este Artista, consegui uma réplica muito boa de um dos quadro dele, este seu exemplar é esplêndido. - Ele sorri e me oferece uma taça de vinho. Provo enquanto observo Pedro. Ele tem ombros largos, um corpo muito bem definido, seu rosto é lindo e sinto vontade de passar meus dedos entre seus cabelos lisos. Reparo que ele vem andando em minha direção, dou passos para trás fugindo de suas mãos e seu olhar que parece querer me devorar. Encosto no balcão de um barzinho e quase deixo cair a taça quando ele segura meus cabelos. Aquela mão forte passando pelas minhas pernas, o frio subindo pelo meu estômago, sua boca em meu pescoço. Fico arrepiada e quando ele me encontra suspiro em seu ouvido querendo mais. No meio deste turbilhão de sensações ele olha em meus olhos e sinto que estamos totalmente conectados, seu olhar cheio de vontade. Ele me vira pressionando o corpo sobre o meu, pega no meu cabelo e então fica mais forte. Quando encontro seu pênis, o desejo com toda a vontade que a em mim, desejo-o dentro de mim e ele me faz esperar. -Penso em êxtase - aaah! excitante. O gelo frio encontra meu corpo quente que tem sede, sinto ele derreter na minha pele. Sua barba, seu corpo, seu cheiro, fico louca.
- Te quero. Peço suspirando. - entra em mim, não me faz esperar, vem, me penetra bem forte!"
Ele me faz esperar e eu peço, todo meu corpo deseja.
Então ele cede, não aguenta mais e o sinto quente. Sinto ele encostar em mim, devagar ele entra e eu posso sentir ele todo.
Estou em seu Box tomando banho e pensando em tudo que ocorreu neste primeiro de Março, me sinto aliviada mas principalmente com medo. Medo da loucura que fiz, medo de ter gostado mais do que deveria.
Coloco seu roupão. Vou andando e o estudando deitado em sua cama, coloco a mão em seu peito e ele me puxa para si novamente.
Como eu queria, mas não posso. Preciso fugir daqui, preciso ir embora. Digo isso a ele e o vejo entrar para tomar banho.
Não posso esperar, não quero que ele saiba onde eu moro, não vou mais vê-lo.
-Pedro obrigada pela noite, vou de táxi!

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