Vinte de Março. -Íris.

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Ouço o longe a voz de Maria, ela me pede forças " não desista amiga" ela diz e em uma neblina muito densa vejo as primeiras imagens se formarem a minha frente e lá está Maria ao meu lado me olhando, ela segura forte minha mão. Minha voz não sai e estou me sentindo pesada, rapidamente sou rodeada por médicos e enfermeiras, eles me examinam, me falam de algumas limitações e algo sobre meu quadro de saude. Foi rápido demais, eu não pude fazer nada, tento explicar a uma das enfermeiras que a todo momento me pedia calma. Ela não entende ela não faz idéia, eu e minha amiga poderia ter morrido.
Após os médicos deixarem o quarto Roberta entra e fico feliz em vê-la.
- Roberta minha linda. Digo com a voz fraca.
- Íris que bom que voltou a nós.
- Roh, chama a Maria preciso falar com ela.
- Íris a Maria. - Vejo tristeza nos olhos de Roberta.
- Sim, a Maria. - Chama ela por favor.
- Ela. - Ela não pode mais falar com nós.
- Roh você está enganada, eu a vi a poucos, ela segurou minha mão.
- Íris era eu que estava ao seu lado quando acordou meu anjo. - Roberta lutando para se manter inteira, fecha os olhos e lágrimas escorrem por ele.
- Não Roh era ela bem aqui, chama ela para mim, chama minha Amiga, quero beijar seu narizinho, não brinca assim comigo. - Roberta me abraça e chora soluçando em meu peito, meu mundo desaba, meus olhos se fecham.

Vinte e um de Março.

Acordo em meu apartamento, minha cama, meu travesseiro, respiro aliviada por ter acordado do terrível pesadelo que tive. Tento me levantar e não consigo, minhas pernas não me obedecem, me desespero puxo meu lençol e foi como se tivesse sido atingida por uma apunhalada no peito. Minha perna, retiro o curativo e uma cicatriz enorme na minha coxa traz a realidade para meu mundo a cicatriz desce e chega até o joelho. Minha pressão desce, minha mão formiga, o teto gira e a luz se apaga.

Vinte e dois de Março.

Acordo com meu pai ajeitando o travesseiro em minha cabeca.

-Filha. - ele diz. E seus olhos cansados, seus olhos verdes e cansados choram como eu nunca havia visto. - Minha pequena Ursa. Desta vez você dormiu de mais, não faça mais isso com seu velho. - Sua voz rouca me traz a proteção que preciso. -Sua mãe precisa lhe ver. - Então meu porto seguro parte para sala a procura de minha mãe. Me sinto frágil igual uma criança e agradeço por eles estarem aqui.
-Filha pela graça de Deus- Minha mãe coloca suas duas mãos sobre meu rosto e da um selinho como sempre fazíamos, com carinho me conta em detalhes tudo o que passei.

Vinte e três de Março.

Estou quebrada por dentro e por fora, sou incapaz até de me lavar, Roberta ajuda Rose minha enfermeira, uma senhora de bochechas grandes e sorriso gentil a me dar banho. Meus olhos acompanham tudo tentando me acostumar com a nova realidade, por melhor que as duas sejam, que façam isso pela mais pura boa vontade, sinto um ódio por não poder cuidar de mim. Porque não olhei ao sair com o Jipe. Daria tudo para ter Maria de volta. Às 19 horas ouço bater em minha porta, Rose atende.
- Boa noite Senhor, ela está acordada.- Vou até a sala curiosa a saber quem chegou.
- Pedro? O que está fazendo aqui?
- Você realmente voltou rss, e como é bom poder ver seus olhos olhos novamente,como é bom ver seus lindos olhos, Pedro me abraça forte se projetando sobre a cadeira de rodas.
- Rose antes de deixar visitas entrar me consulte.
- Claro Senhora, mas pensei que o Sr. Pedro fosse. Sabe... Ele que me contratou, ele te visita todos os dias e cuidamos de você desde o hospital.
-Como assim... Como...Pedro você não tem o direito de. - Pedro me interrompeu falando.
- Trouxe meio amargo, me falaram que é seu favorito. - Pego o chocolate e rasgo a embalagem com voracidade, me acalmo ao colocar o primeiro quadradinho de chocolate sobre a língua, percebo que devo estar agindo como uma maluca e meus olhos sobem de encontro aos olhos de Pedro e ele me olha com aquele sorriso perfeito.
- Hoje vou cozinhar para você Íris. -Ele diz e então Pedro junto com Rose cortam os ingredientes. Observo os dois calada tentando absorver tudo que está acontecendo, eles se dão bem, vejo afinidade entre os dois. A minha casa agora tomada por dois estranhos.
Por mais que eu tente não pensar, após o jantar Maria volta a cabeça e sei que parte de mim se foi, parte de mim morreu, poderia ser eu, deveria ser eu. Quero dormir e não acordar mais, olho pela sacada do apartamento as luzes e toda loucura de São Paulo quando Pedro me segura pela cadeira de rodas.
- O doutor disse que sorvetes ajudam na recuperação. - Então saímos do apartamento comigo aos berros dizendo que queria ficar em casa e ao passar pela portaria encontramos a ciclovia. Pedro começa correr, correr e me empurrar em meio de pessoas andando de bicicletas, o trânsito de São Paulo ao lado e ele me empurrando. Sinto o vento bater em meu rosto, sinto meus cabelos balançarem, eu abro os braços e me sinto viva, abro os braços e grito tímida Maria! Depois mais alto Maria! Então Pedro me acompanha no grito Maria!
Choro, grito coloco para fora toda a dor. Pedro para a cadeira de rodas e se ajoelha a minha frente, seus olhos vermelhos, ele beija minha testa e eu o abraço com toda as minhas forças.

São as águas de Março.Onde histórias criam vida. Descubra agora