Bem-vinda a Cidade Alta!

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Respirei fundo e contei até dez, até 20, 30, 40, em inglês, em espanhol, em português. Mas nada andiantava, meus ossos continuavam tremendo descontroladamente e minha respiração descompassada. Com o rosto entre as mãos, massageei as têmporas afim de amenizar o nervosismo. E novamente, nada adiantava. Eu estava desesperada, talvez isso seja um eufemismo, o desespero era pouco perto do que eu sentia.

Medo, aflição, solidão, tristeza, ecoavam no meu subconsciente desde o momento em que me deparei com o corpo sem vida de minha mãe. E isso já fazia mais de 24h, os piores momentos da minha pacata e infeliz vida.

A policial peterson me alertou dos documentos, dizendo que precisava me recompor pelo menos a tempo de assinar o que faltava para a funerária realizar o enterro. Foi isso que fiz, lentamente e desacreditada assinava em papéis com meu nome. Lua Dup'e. Lua Dup'e. Lua Dup'e. Lua Dup'e. Eu, Lua Dup'e, autorizo o sepultamento de Rubi Diaz realizado em Boston, Estados Unidos da América às 14h de 13 de março de 2021.

Essas palavras esmagaram meu coração em trilhões de pedacinhos, um documento autorizado por mim a enterrar aquela com o nome de quem me jurou companhia eterna. Não se tinha uma tia para me consolar, um primo pra resolver a burocracia, um familiar para me abrigar, sempre fora nós duas e agora, era só eu.

Se não fosse a preocupação de meu pai, que mesmo após perder uma das pessoas que mais tinha apreço, não me deixou se sentir sozinha. E como se ele pudesse sentir, uma ligação sua alertava no ecrã do meu celular. Atendi sem hesitar, mesmo que seu último contato tenha sido há 10 minutos, reconhecia que suas palavras eram muito mais reconfortantes que meus miseráveis pensamentos.

— Filha?– Disse, com a voz disfarçada de seriedade.– Eu estou em boston, em alguns minutos chego aí. Não se preocupe com nada, meus funcionários vão resolver o que falta e deixe qualquer obrigação pra mim. Certo?

Murmurei um "Hurrum" com a voz embargada pra dizer qualquer coisa sem miar. Ele sabia que isso era o bastante, eu estava grata por ter ele aqui.

— Eu te amo.– Despediu-se, com a voz embargada.

— Eu também, papi.– Murmurei com dificuldade, escutando a ligação ser finalizada depois de minutos de silêncio.

Havia tanto para se pensar...Eu iria ficar aqui? Impossível, com apenas 18 anos não sou legalmente maior de idade. Eu iria para a espanha? A terra natal de minha mãe, agora sem ela, não faria sentido. Só me restava o Brasil, e tantas coisas passaram pela minha cabeça. E Harvard? E as pessoas que amo? E minha casa? Tudo que idealizei por anos, tudo que vivi, tudo se esvai com tanta facilidade, tudo foram de agora para o passado.

Seja lá o que o futuro me aguardava, o presente era muito mais doloroso do que qualquer possibilidade. Eu só queria ela de volta, minha rubi.

DUAS SEMANAS SE PASSARAM, e agora eu estava sentada na mesa da cozinha, enquanto assistia desastrosamente meu pai fritar ovos e bacon. Aquilo me fez rir, pela primeira vez em dias, eu tinha um riso leve e cheio de ternura. A saudade ainda era recente, os quadros do seu sorriso espalhados pela casa amenizou um pouco, eu lembrava desse riso, da paz que ela transmitia. Eu sentia que ela continuava presente, agora mais espiritualmente do que em qualquer outra situação, agora eu tinha ela pela eternidade, mesmo que seu abraço e carinho não mais.

— Um amigo me ensinou que não se frita bacon sem camisa, então já tô meio caminho andado pra o sucesso absoluto.– Minhas risadas não se cessavam, meu pai era péssimo na cozinha.

— Nem se fritasse automaticamente, papi, isso tá queimando!
— Bom, um pouco de carvão nunca fez mal.

Sua risada era semelhante a minha, na verdade, muitas coisas eram. Eu tinha seus cabelos extremamente pretos, os olhos da mesma, as covinhas no riso, a pele branca e a mesma perspicácia. Eu era sua cópia, tanto física quanto comportamental, minha mãe sempre deixou isso em evidência quando se perguntava como era possível, já que seus traços sempre foram mais fortes.

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