Capítulo Um

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A cicatriz ao longo da mandíbula era o que tinha de mais atraente.
Não: era o cabelo. Escuro e despenteado, dava-lhe um ar safado.
Não: era os olhos. Azul-acizentado brilhavam elétricos na fotografia - o que era incrível, já que a foto era em preto-e-branco. Mas Jenna McCue já vira aqueles olhos ao vivo e uma vez vistos, jamais poderiam ser esquecidos. Sentindo-se estranha, como se a tocassem, virou o livro pra esconder a fotografia da quarta capa no assento do carro, o que deixava a capa à vista. Ouro Verde era o título do livro. A história narrava a busca de esmeraldas em minas na África do Sul e era verídica. Spencer Smith tinha vivido a aventura e a escrito, assim como escrevera sobre a caça ao tesouro nas pirâmides do Egito, nos Andes peruanos, em cavernas de piratas nos Mares do Sul. Seus livros não eram best sellers. Faltavam os elementos necessários para obter sucesso comercial, ou seja, melodrama e sexo. Eram documentários bem escritos, capazes de fascinar corações aventureiros. Jenna não se enquadrava no perfil. Levava uma vida rotineira, mas Spencer Smith era o irmão de sua mais antiga e querida amiga. Compraria os livros por lealdade a Caroline e á familia, mesmo se não achasse intrigantes. Mas adorou cada um deles. Ao longo dos anos, tinha se tornado, quando solicitada, nas visitas á casa dos Smiths, crítica não-oficial dos livros. Entretando, essa visita tinha um objetivo diferente. É verdade que tinha lido e adorado Ouro Verde e não perderia as bodas de ouro dos pais dele por nada nesse mundo, mas tinha outros planos além de simplesmente tomar champanhe,comer lagosta e dançar pelo salão com qualquer um que a convidasse. Tinha que fazer um pedido a Spencer Smith. Uma espécie de favor. Uma espécie de proposta. Um pedido pessoal - muito pessoal. E com certeza, muito estranho. Ele não podia acreditar, debochar, ficar intrigado ou rejeitaria a idéia. Caroline havia sugerido todas essas hipóteses, preparando Jenna para o pior, mas concordará ser uma boa idéia. Boa não: ótima. Jenna sabia que fazia o mais absoluto sentido. Satisfazia um grande número de pessoas por motivos diferentes. Só precisava convencer Spencer a aceitar.
Fazendo a curva para pegar a estradinha particular que levava à casa dos Smiths em Newport, estacionou atrás do último carro da fila, saltou e dirigiu-se à casa. O sapato de salto alto amarelo-claro decerto não era nada adequado para caminhar numa estrada empoeirada, mas combinava com o conjunto de seda de saia curta e jaqueta da mesma cor que, por sua vez, combinava com os cabelos ondulados e femininos. Normalmente se vestia de forma mais sóbria e prendia o cabelo, como cabia uma executiva de alto nível. Mas, indepe ndente da festa dos Smiths, nos últimos tempos se sentia mais feminina.
Tinha a ver com os planos para o futuro onde Spencer se encaixava. Ignorando o friozinho no estômago, seguiu em frente.
O número de pessoas aumentava à medida que se apróximava da casa. Reconheceu várias delas e cumprimentou-as calorosamente. Foi apresentada a outras que, embora não a conhecessem pessoalmente, com certeza conheciam-na de nome. A loja de departamentos McCue era considerada um meio-termo entre a Bergdorf Goodman e a Jordan Marsh. Sobrevivera a períodos ruins e tornara-se a mais lucrativa dentre todas, para a qual os moradores dos estados da Nova Inglaterra acorriam para comprar desde camisas pólo e jeans até ternos de carmuça, porta-retratos de prata e roupa de cama de grife. Jenna, a última sobrevivente do clã McCue, ocupava a presidência da empresa e do conselho. Aos 35 anos, era uma líder eficiente, com boa visão de negócios. Assim como o pai e o avô, mantinha a loja atualizada e, por esse motivo, a cadeia de lojas crescia enquanto outras faliam. Antecipava os problemas e lidava com eles, antes de vierem a torna-se um ponto fraco.
Fazia o mesmo com a sua vida pessoal, motivo pelo qual precisava conversar con Spencer.
Ele não estava no vestíbulo nem na sala de estar quando a atravessou em direção ao pátio onde Joe e Abby Smith recebiam os cumprimento dos convidados. Janne abraçou-os afetuosamente e conversou com eles bastante tempo até a chegada de outros amigos. Mal pegara uma taça de vinho de uma bandeja, quando Caroline se materializou a seu lado.
- Você está maravilhosa - disse, examinando-a detidamente, antes de pergunta: - Esse vestido é da loja ?
Jenna deu uma olhadinha ao redor para certificar de que ninguém poderia ouvi-las. Definitivamente não fazia o gênero exibida. Em voz baixa, admitiu:
- Selecionamos alguns no desfile em Paris, mas decidi serem caros demais para trazer muitos. Peguei um. Gostou ?
- Você sabe que sim. Só não tenho certeza se estou com mais inveja do vestido ou do seu corpo. Você está tão magra. Meu Deus, o que eu não daria para vestir 38.
Jenna lançou-lhe um olhar malicioso.
- Meu Deus, o que eu não daria para ter três filhos. - Os olhos percorreram a sala lotada. - Onde estão ?
- Por aí. Disse a Annie para olhar Wes e a Wes para olhar Nathan então os três devem estar um correndo atrás do outro. Suponho que alguém há de notar se um deles cair na piscina.
- São crianças maravilhosas - disse Jenna com sinceridade, embora ao percorrer a sala com os olhos buscasse outra pessoa e não a elas.
- Ele ainda não chegou - comentou Caroline. - Ligou há pouco para avisar que caiu um tempestade em Washington e precisou voltar a Pittsburgh para abastecer. Disse estar voando para Newport. Não duvido nada que aterrisse em nossa praia.
- Ele não faria isso!
O olhar de Caroline demonstrou que sim. Pensando melhor, Jenna não descutiu. Para qualquer pessoa - á exceção de Spencer Smith - aterrissar numa praia rochosa em Rhode Island seria suicídio. Mas Spencer tinha a capacidade de colocar a vida em perigo e sair ileso. Jenna o imaginou aterrissando o Cesna naquele pedaço estreito de areia, taxiando o avião e saindo da cabine com maior tranquilidade.
Era um homem forte. Era um homem hábil. Era um homen com uma curiosidade inata: não tinha medo de fazer perfuntas ou de enfrentar o desconhecido. Alguns, de pura inveja, consideravam-no tolo por arriscar-se daquele jeito. Mas Jenna lera seus livros e sabia que não era bem assim. Embora algumas das aventuras pudessem parecer levianas, nunca fazia nada sem pesar o prós e os contras e assegurar-se de que o vento soprava a seu favor. Nesse sentido, era extraordinariamente inteligente.
Inteligente. Competente. Forte. Curioso. Corajoso. Qualidades admiradas por Jenna; qualidades que, se pudesse, escolheria para um filho.
- Ele vai chegar - disse Caroline apertando-lhe a mão.
- Mas vai ficar tempo suficiente para podemos conversar ? Preciso de privacidade. Não é o tipo de pergunta a ser feito enquanto um zilhão de pessoas escuta.
- Ele disse que vai ficar para o final de semana.
- Não é a primeira vez que diz isso e depois vai embora. Não consegue ficar parado no mesmo lugar.
- Quando está com a família, não consegue mesmo. Largue-o nas margens do Lago Ness e vai ficar parado, dias a fio, esperando pela aparição do monstro. Newport o deixa nervoso. Nós o deixamos nervoso. Ele está convencido de que a única coisa que queremos é colocar-lhe uma sela. - Caroline riu. - Como se fosse possivel! - A segunda risada se transformou em um berro. - O que foi isso ?
Jenna também tinha visto uma criança de 3 anos correndo no meio dos convidados.
- Parecia Nathan.
- Parecia um bolo de casamento. - murmurou Caroline. - Eu mato ele. - Com um olhar assassino se foi.
Jenna a viu partir, sentindo-se ao mesmo tempo afeto e inveja. Deu um profundo suspiro. Spencer não estava ali. Ainda demoraria. Podia relaxar.
Durante as duas horas seguintes, não fez outra coisa. Gostava dos amigos dos Smiths. Aliás, vários pertenciam a seu círculo de amizade e socializar fazia parte de sua natureza. Como Caroline, fora criada no luxo. Os pais tinham bastante dinheiro e embora adorassem viajar, comer fora e doar dinheiro para ostentar seus nomes, em alas de hospitais, adoravam festas acima de tudo. Desde muito pequena, Jenna se lembrava deles dando festas ou participando delas. Para sobreviver, Jenna aprendera a conviver bem socialmente e embora nunca tivesse desenvolvido interesse pot festividades barulhentas, como os pais, ficava totalmente á vontade. A chave do sucesso é sorrir, envolver-se em conversas amigáveis, ler as necessidades das outras pessoas e ouvir ou responder de acordo - sem levar nada muito a sério. Fofocas não lhe interessavam. Uma parte de seu ser permancia distante disso tudo e, portanto, protegida.
Serviu-se dos canapés servidos em bandeja de prata, antecedendo um abundante bufê. Conversou e riu. Levantou a taça quando o marido de Caroline, representante do governo com ótima lábia, propôs um brinde aos sogros, mas não podia deixar de pensar que esse papel cabia a Spencer. Mas ele não o faria. Nem se tivesse chegado a tempo. Apesar de aventureiro, era reservado. Embora convincente, fugia dos holofotes. Qualquer outro homem em seu lugar levaria uma equipe de filmagens nas viagens, mas ele se recusava a fazê-lo. Estava determinado a curti a aventura. Se depois surgisse um livro, ótimo. Se o livro fosse transformado em filme, melhor ainda. Trabalharia nele como consultor técnico e ponto final.
Ninguém sentiu falta do brinde de Spencer. Vários amigos e parentes se encarregaram dos discursos. Quando Spencer apareceu no meio da multidão, Jenna o viu de imediato. Ele chamava a atenção. Com 1,95m, era mais alto que a maioria das pessoas na sala, mas não era isso e sim sua aura. O conjunto: beleza, descontração e porte - exalava indepenência, personalidade e, embora não fosse desdém, uma falta de inclinação para joguinhos - além dos próprios.
Jenna não via Spencer há seis anos, mas ainda assim sentiu sua força. Era muito mais forte que qualquer coisa mostrada na contracapa do livro e a deixou imóvel por um momento. Não tinha certeza se poderia se aproximar. Ele era tão... tanto... E ela nunca tivera uma boa performance com homens, exceto negócios.
Mas isso era negócio lembrou-se, e o pensamento acalmou-lhe o palpitante coração. Entretando, não conseguiu afastar os olhos e o viu avaliar o ambiente e se afastar. Esperaria até os discursos terminarem. Quando as pessoas retornassem aos seus assentos, ele ocuparia seu lugar na mesa dos pais.
E foi exatamente o que fez. Ouviu alguns comentários sobre sua chegada,mas ninguém ousou levantar um brinde ao sucesso de Ouro Verde. Só os mais próximos fizeram questão de parabenizar o autor. Os outros ficaram a distância, atitude bem mais prudente. Spencer nunca fora sociável. Os olhos azul-acizentados eram legendários pela habilidade de afastar gente falsa.
Jenna também manteve distância, mas não por medo de ser afastada. Como amiga de Caroline, tinha imunidade. Spencer sempre havia sido educado com ela, até gentil, como era com a irmã. Apesar dos desentendimentos com os pais, Caroline era especial para ele. Nunca deixava de ligar no aniversário dela ou mandar um presente para as crianças nos aniversários. Jenna o respeitava por essas atitudes. Também achava que isso demonstrava uma faceta de seu temperamento pouco conhecida. Esperava estar certa.
Não, não foi por medo que Jenna não correu a seu encontro, mas sim com propósito de uma aproximação cuidadosamente controlada. A missão era delicada. Queria maximizar as chances de sucesso, dizia a si mesma. Mas bem depois da orquestra ter começado a tocar e as pessoas ido para o salão, se manteve afastada. Entreteve-se conversando a uma razoável distância de Spencer. Levou Annie, Wes e Nathan até a praia ao ter certeza de que Spencer estava com os amigos no gazebo. Finalmente, concordou em dançar chaleston com um velho amigo da família, mas afastou-se da multidão e deixou o salão no instante em que a dança terminou. Quando o café foi servido e o bolo de casamento chegou à mesa - com várias rosas faltanto por obra de pequeninos dedos - sabia que teria que tocar no assunto.
Era chegada a hora. Quando os convidados fossem embora e o ambiente se acalmasse, Spencer oferecia menos resistência. Seria mais fácil abordar um Spencer com menos resistência do que um com as defesas em estado alerta. Assim, ele estaria mais disposto a considerar a sua proposta. Assim estaria mais propenso a aceitá-la.
Mas um Spencer com menos resistência não foi o que encontrou quando, com a festa ainda a todo vapor, sentiu uma mão dominadora no braço. Mal teve tempo de se virar quando com sua voz profunda, nada desafiante, Spencer perguntou à pessoa com quem conversava:
- Pode dispensar Jenna por um instante ? Preciso de sua ajuda.
Sem esperar por permissão, a mão grande segurou a sua conduzindo-a.
- Spencer ? - murmurou.
Mas sua atenção estava concentrada em atravessar a multidão.
- Com licença - disse e foi se esgueirando entre os convidados. - Desculpe. Com licença. Obrigado.
Jenna não voltou a chamá-lo. Os maxilares contraídos demonstravam o estado de tensão. Não queria provocá-lo quando tinha um pedido tão delicado a fazer. Então o seguiu sabendo que ele acabaria por se explicar.
E foi o que aconteceu. Tão logo se afastaram do grupo de pessoas no gramado, disse:
- Me acompanhe. Preciso de ar.
Contente por ajudar, seguiu-o. De tempos em tempos, acelerava o passo para acompanhá-lo e quando chegaram à murada que separava o gramado da praia, o ritmo dos passos diminuiu.
- Pode andar na areia ? - perguntou olhando-lhe os sapatos.
Usando o braço dele como apoio, ela tirou os sapatos amarelos de salto alto. Ele os enfiou nos bolsos do blazer antes que ela pudesse argumentar que isso poderia estragar o tecido. Em questão de segundos, tirou a gravata e enfiou junto com um dos sapatos, demonstrando não estar nem aí. - Você sabe o quanto me é penoso participar disso. - brincou Jenna, afastando o cabelo que a brisa do mar insistia em desarrumar.
Ele lançou-lhe um olhar ao mesmo tempo sombrio e indulgente.
- Você é amiga de Caroline. Vai me perdoar. - Pegando-lhe novamente a mão conduziu-a até as escadas descendo até a praia, ao longo da estreita calçada, construída alguns anos antes, como uma concessão às pedras pontiagudas até o cais distante. Ele não parou até chegarem à extremidade. Tirando os sapatos - Jenna não ficou nem um pouco surpresa por ele não estar de meias -, fez sinal para que se sentasse ao seu lado.
Por um minuto pensou na saia de seda - mas só por um minuto. Uma saia - de seda ou outro material - não era nada comparado ao imenso favor a pedir. Uma saia não representava nada comparado ao futuro.
Não tinha certeza do motivo, mas ele continuou a segura-lhe a mão. Como a sensação não era desagradável, deixou.
A maré estava baixa. Sacudiam as pernas a uns bons 2,5m. acima da água batendo suave nas pedras. À distância ouvia-se o ressoar abafado do sino de uma bóia de sinalização. Ambos os sons eram suaves, bem mais que a expressão de Spencer fitando o espaço buscando de onde vinha o som.
- Coisas assim me deixam nervoso - disse depois de um bom tempo.
- Festas ?
- São tão exageradas.
- Mas dão prazer a seus pais.
- E isso justifica o excesso ?
Com um suspiro, Jenna olhou a água. Não ia discutir com ele.
- Você acha que justifica ? - insistiu.
Com suavidade respondeu:
- Não, pessoalmente não. Priorizo a moderação. Mas o que é certo para mim pode não ser para outra pessoa. Seus pais e os meus são parecidos. Adoram a vida social e têm dinheiro. Se querem gastar numa festa, é opção deles. Desde que não venham dar palpite em minha vida, posso deixar que vivam as deles.
Spencer mudou sua mão, apoiada no pequeno espaço que os esperava, para a coxa dele. Examinou os dedos incrivelmente brancos e finos entre as mãos compridas e bronzeadas dele.
- Não vou fugir - disse com suavidade.
Ele lhe lançou um olhar penetrante.
- Não tinha certeza disso. Você fez o possível para me evitar a noite inteira.
- A noite inteira ? - Ela retirou um fio de cabelo da boca. - Você chegou quando a festa já estava na metade.
- Agradeço a Deus por isso. - Desabotoou outro botão - o terceiro - da camisa, encheu os pulmões com o ar salgado tão característico da região e expirou, colocando - pensou Jenna - um pouco da tensão para fora. A voz era mais profunda do que nunca, mas menos firme. - Já tenho problemas suficientes com meus pais. Ter que lidar com mais uns duzentos de seus amigos me deixa ansioso.
- Isso vindo de um homen que, em certa ocasião, manteve-se impassível esperando ser cozinhado e servido como jantar por um bando de canibais?
- Você tem lido demais. - resmungou.
- Gosto do seus livros.
- Hollywood também. Ouro Verde foi escolhido para ser uma espécie de Indiana Jones.
- Fantástico!
- Não tenha tanta certeza. Isso tira um pouco de minha credibilidade. Caça a tesouros é coisa séria.
- Sei - disse Jenna com devida gravidade.
- Posso imaginar pelo seus livros.
Ele a fitou.
- Posso mesmo - repetiu.
- Humm. - sem afastar o olhar, disse: - Caroline me disse que você queria conversar comigo.
O coração de Jenna bateu forte. Não queria que Caroline tivesse dito nada. Queria escolher o momento certo e não era esse. Se Spencer se sentira sufocado na festa, esse definitivamente não era o momento. Queria que ele tivesse relaxado e aberto a sugestões quando ela o surpreendesse com o pedido.
- Posso esperar - disse, displicente.
- Caroline disse que era importante. Repetiu duas vezes.
- Não deveria.
- Não é importante ?
- É, mas não é urgente. De qualquer forma, deveríamos voltar a festa.
- Não quero voltar a festa.
- Mas é a comemoração das bodas de ouro de seus pais. É uma data importante.
- Sei disso e os convidei para celebrar comigo em Key West, mas eles recusaram.
- Porque são festeiros. Queriam todo mundo com eles. - foi vencida pela curiosidade. - O que está fazendo em Key West ? - ao vê-lo com os cabelos esvoaçando ao vento, a camisa aberta até o meio do peito e a cicatriz cortando-lhe a mandíbula, imediatamente pensoh num pirata.
- Esperando que o tribunal de justiça decida se tenho direito de explorar um local onde um galeão espanhol afundou no século XVII.
Ela arregalou os olhos.
- Você encontrou um galeão ?
Ele fez que sim.
- Um de meus mergulhadores, o primeiro a localizar o navio afundado, montou a própria equipe de salvamento e alega ser o dono dos direitos de exploração. Nenhum de nós pode tocar na embarcação até sair o veredicto e o tribunal é um bocado lento. Em uma seis semanas começa a temporada de ciclones. Niguém vai poder explorar nada até o final do outono.
Ela segurou o cabelo esvoaçante com a mão livre.
- Tem ouro no barco ?
- Se o barco for o que eu imagino e se minha pesquisa estiver correta, tem sim. Também deve ter uma fortuna em artefatos a bordo.
- Perfeitamente preservados ? - perguntou. Ela sempre ficava abismada com o fato de objetos poderem emergir intactos do oceano após centenas de anos. Parecia incrível, o que era irônico levando-se em conta o tumulto de um naufrágio.
- Alguns estarão preservados. Outros precisarão ser restaurados.
- Esse vai ser o tema do próximo livro ?
- Se o tribunal me for favorável. Senão, perderei uma aventura.
- Vai encontrar outra. Sempre encontra. Como consegue ?
- Tenho amigos em locais estranhos. Eles me dão as dicas.
- Uma rede de informantes - disse, sorrindo com o termo que nunca antes julgara aplicável à caça ao tesouro.
- Suponho que sim. - Spencer colocou a mão dela em sua coxa e a prendeu. - O que queria me perguntar ?
- Depois. - Jenna podia sentir o calor, a musculatura da coxa e tentou tirar a mão, mas ele não permitiu.
- Posso não estar mais aqui depois.
- Ah, Spencer, você disse a Caroline que ficaria até amanhã. - Novamente tentou soltar a mão, dessa vez o gesto demonstrando sua decepção, mas ele segurou rápido.
- Isso foi antes de eu vir.
- Você chegou há apenas duas horas.
- E já estou sufocado.
- Puxa vida! - exclamou sem conseguir evitar, pois se ele já estava se sentindo sufocado, a última coisa que podia fazer era começar uma discussão tão delicada quanto a que tinha em mente.
- Melhor aproveitar a chance - avisou.
- Não é melhor esperar o final da festa ? O ambiente estará mais calmo.
Ele olhou à volta.
- O ambiente já está calmo.
Ela deixou a mão livre cair no colo. O vento formou um véu de ondas aleatórias com os cabelos para protegê-la do seu olhar. Quando deu por si, Spencer estava puxando os longos cachos para trás da sua orelha e prendendo-os com o que ela suspeitou ser a gravata. Não tendo mais onde se esconder, levantou o olhar. Os olhos dele eram muito azuis e penetrantes.
- Vá em frente! - disse elw voltando a segurar-lhe a mão. - Estou esperando.
O coração de Jenna deu um pulo. Não é a hora certa. O local também não apropriado. Ele vai achar que sou louca. Vai dizer "não".
Mas os olhos dele não se moveram. Eles a prendiam; embora tentasse, não conseguia afastar o olhar. A voz dele também não ajudava. Era profunda e rica, em parte autoritária, em parte convidativa.
- Diga agora, Jenna. O que quer ?
- Um filho! - gritou. - Quero um filho!

A Aventura - Barbara DelinskyOnde histórias criam vida. Descubra agora