Capítulo 2 - O reencontro com a Karen

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Quando eu andava pelos vários ambientes do escritório eu ficava sempre de cabeça baixa pois sentia que as funcionárias ficavam cochichando e dando risadinhas todas as vezes que eu passava, talvez fosse coisas da minha cabeça, vai saber. Por isso no começo preferia ficar mais dentro do armazém montando computadores, mexendo no website e dando o suporte sempre de forma remota. O bom dessa estratégia é que eu podia usar roupas mais confortáveis, tipo, camisetas das minhas bandas de rock favoritas.

Assim, já fazia alguns meses que eu já estava trabalhando na empresa da Maria.

Em certo dia, após terminar de montar os computadores fui levá-los para os novos membros. Eu estava na esperança que a Maria mudasse de opinião sobre os homens e começa-se a diversificar o ambiente, porém não foi o que aconteceu... funcionária por funcionária nova eu fui entregando o seu respectivo computador.

Quando cheguei na mesa de uma das colegas novas, eu logo a reconheci:

— Karen!?

Ela me fitou e com um sorriso disse:

— Quanto tempo Ju!

Quando ela disse meu antigo apelido escolar consegui escutar pequenas risadas vindas de outras garotas do escritório. Não sei por que, mas tive a sensação de que soou um pouco feminino.

— Err... sim já faz muito tempo né Karen? Como estão as coisas?

— Bom, estão bem também Ju! Fico feliz de poder trabalhar junto com uma amiga.

Eu fiquei um pouco vermelho naquela hora e também a Karen junto com as garotas que estava por perto. Nesse momento ela foi abrir seus lábios para tentar corrigir o equívoco e eu simplesmente fiz um gesto com a cabeça e com a mão demonstrando que não precisava corrigir. Logo eu disse com um sorriso:

— É muito bom trabalhar com uma amiga também.

Fiz um aceno com a mão e a Karen retribuiu também, feito isso eu prossegui para a próxima entrega de computador.

Por algum motivo gostava de que me chamassem assim e estava de certa forma acostumado com esses erros, nisso comecei a pensar seriamente... será que eu sou homossexual? Lembrei de todas as vezes que meus colegas na escola me chamavam de coisas pejorativas, tipo: "viadinho", "baitola", "morde fronha" e etc., acho que por causa dos meus cabelos... será que tinha algo a mais? Comecei a ficar confuso pois não sentia atração por homens e também nunca havia namorado nenhuma mulher... embora eu achasse alguns colegas de trabalho e ex-colegas de escola bonitas. Pensando nisso e lembrando da Karen nunca pensei nada sobre ela a esse respeito, não que ela não seja bonita, mas pelo fato que naquela época a gente não erámos muito próximos, sabe? Tinham mais de 30 alunos na sala de aula e então sempre se formava o que chamamos de "panelinha", aquele grupo de pessoas que não se mistura. Mas naquele momento que vi a Karen acenando de volta para mim, achei ela muito meiga e fofa, senti algo diferente. Percebi que ela era muito bonita e achava atraente... e de alguma forma me sentia um pouco ansioso agora toda vez que me nos "esbarrávamos". Será que estava sentindo tudo isso por causa do contexto? Digo, pelo fato de estar trabalhando num escritório que a maioria são mulheres e via na Karen alguém familiar... alguém para me apoiar, um "porto seguro", uma falsa paixão? Será que[...]

Depois percebi que estava parado no armazém na frente do computador perdido nos meus pensamentos. Não sei quantos minutos fiquei ali parado de pé, mas o que mais me deixou aliviado é que estava sozinho naquele lugar. Eu chamava lá de "batcaverna" [risos], pois era o lugar que eu fazia a maioria dos meus trabalhos naquela empresa. Lá tinha minha bancada que eu escolhi os equipamentos a dedo (sim, ainda faltava muita coisa, mas era especial para mim) e minha mesa com meu computador de trabalho (também tinha configuração bem simples, mas era o suficiente). Por fim aquele armazém era um refúgio para mim e de alguma forma me sentia protegido lá dentro e, exposto toda vez que eu subia nos escritórios.

Nos dias seguintes estava a acorrer muito bem, estava gostando bastante do emprego e, como comentei, adorava ficar na minha "caverna" trabalhando. Mas algo diferente eu reparei, foi uma mudança bem sutil, mas bem perceptível, todas as garotas do trabalho não estavam mais tendo o trabalho de corrigir quando se enganavam e me chamavam de forma feminina, pelo contrário acabou ficando cada vez mais frequentes elas me referirem como: "uma das garotas", "nós todas podemos", "querida", "minha flor" e etc., sempre que precisava interagir como uma delas ou sempre que elas se referiam como grupo. Na questão do grupo até entendo, pois a Maria tentou no começo, quando havia as pequenas reuniões mensais. Ela começou a referir a empresa com pronome masculino: "nós todos podemos...", "juntos conseguimos...", "um de nós..." e etc. Até gostei do esforço da Maria de tentar fazer isso por mim, mas realmente estava ficando um pouco forçado e saindo um pouco do que as garotas mais veteranas do escritório estavam acostumadas. Então em uma dessas reuniões quando a Maria por engano errou e falou: "Juntas conseguimos..." antes de ela tentar corrigir e, quando ela olhou para mim, fiz um gesto com a cabeça e com as mãos para ela não se preocupar e prosseguir com a reunião daquela forma mesmo.

Acredito que o fato de as meninas estarem me referindo como se fosse uma delas, acabou acontecendo, um pouco, por causa daquele dia que eu fiz um gesto para a Karen que não precisa corrigir quando ela referiu a mim como "amiga", pois naquele dia havia outras garotas por perto e acredito que elas consideraram aquele gesto como se eu não me importasse mesmo. Acredito que isso aconteceu também por causa das reuniões mensais, no qual agora a Maria referia ao grupo sempre com pronomes femininos. De qualquer forma, tinha uma sensação mista, pois achava estranho me referirem assim, mas me achava mais incluído na empresa e acolhido por elas.

Porém a Karen era a única que me referia com o meu pronome masculino, pelo menos na minha frente ela não errou mais quando ia se referir a mim. Sinceramente isso estava ficando um pouco desconfortável, por incrível que pareça, não só na minha perspectiva, mas de alguma forma sentia que as outras meninas se sentiam estranhas quando a Karen me tratava como homem. Isso acabou fazendo com que eu acabasse evitando de falar com ela para evitar esses momentos "estranhos". Coitadinha ela sentiu muito naquela época, pois estávamos ficando cada vez mais próximos e, de repente, paramos de tomar café juntos na copa e ainda estava tentando ao máximo não almoçar com ela com a desculpa que tinha muito trabalho.

Isso estava ficando muito ruim, até que um dia quando fui a ajudar com um problema no cabo de rede de seu computador... enquanto eu estava olhando fixamente para a montagem do cabo tentado ao máximo não olhar nos seus olhos, ela me disse:

— O que aconteceu com você?! Por que não me olha mais nos meus olhos... pensei que fossemos amigos...

Chorando ela foi para o banheiro e eu fiquei parado, sem reação enquanto outras as colegas me olhavam sem reação aparente também.

Esse "climão" durou por semanas e isso me deixava muito triste... não, eu não estava triste... eu estava com raiva de mim mesmo. Tentei mandar várias mensagens para tentar fazer as pazes e corrigir aquela situação, mas agora quem me ignorava era ela.

Como sempre gostei de desenhar e esse era um dos meus passatempos favoritos, eu fiz um desenho bem bonito de uma paisagem contendo um monte de árvores de Sakura, sim aquela árvore japonesa de cerejeira, e todas elas floridas e reluzentes com suas pétalas rosas. Atrás do desenho fiz uma carta (ironicamente alguém na área da computação escrevendo uma cartinha [risos]) no qual possuía o seguinte conteúdo:


Querida amiga Karen,

Sinto muito pela forma que a tenho lhe tratado, a culpa foi totalmente minha. Como sempre as pessoas quando me referiam a um nerd ou a um rato de laboratório elas tinham razão. Pois eu não sei lidar com essas situações e isso é porque tenho medo também.

Estava tentando evitar você, pois na minha cabeça, estava tentando proteger você. Sei que você não precisa ser protegida, esse foi mais um erro da minha parte... Mas como você era a única que me tratava com um pronome masculino no escritório, parecia que as outras colegas estavam de alguma forma achando estranho isso... bom não sou bom com as palavras como pode ver =(

Peço desculpas sinceras

Do seu amigo Ju


Deixei a carta-desenho em cima da mesa dela. Nunca mais vi a carta e nada havia mudado, a Karen continuava fingindo como se nada havia ocorrido.

Julian e a Flor de CerejeiraOnde histórias criam vida. Descubra agora