Capítulo 2: "Pride"

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Frederico

Todos na vida, em algum momento, precisam aprender a ceder quando pedem ajuda e eu estava justamente em tal situação pitoresca. As conversas animadas dos outros clientes no restaurante apenas tornou o clima ainda mais sutil na minha mesa, onde minha mãe me encarava com gentileza, meu pai com severidade e minha irmã parecia indiferente ao olhar para o menu.

Francesca Nunes, uma das melhores delegadas do país e possível chefe de policia, mantinha um rosto inexpressivo na maior parte do tempo, incluindo quando estava com sua família, mas isso apenas a tornava ainda mais bem vista pelos outros de fora. Por algum motivo, as pessoas tendiam a acreditar que quanto mais séria, mais capaz Francesca conseguia ser. Minha irmã mais velha estava com trinta e seis anos sem estar casada ou interesse em relacionamento, mas meus pais não pareciam ter qualquer motivação ou desejo em atormentá-la como faziam comigo.

— Como estão as coisas? — Minha mãe perguntou, provavelmente, constrangida pelo silencio após minha irmã me forçar em comparecer. — Sua irmã disse que está indo bem em seu trabalho.

— É um estagio e malmente remunerado. — Meu pai resmungou em uma tentativa de me depreciar como se acostumou a fazer com o passar dos anos. Depreciando meus esforços, impondo sua visão de vida em mim.

— Um estagio é um ótimo começo. — Minha mãe disse tentando amenizar a situação e tudo o que fiz foi sorrir como aprendi a fazer. Não iria lhe dar o prazer de parecer me importar com seus comentários, mesmo que me sentisse magoado. — Além do mais, ele ainda está estudando. Quando será sua formatura?

— Em alguns meses. — Respondi ao lembrar algo doloroso. Ainda não havia decidido o tema final do meu trabalho de conclusão de curso. No início pretendia utilizar alguma reportagem escrita por mim no jornal, mas nunca havia feito nada, além de distribuir café, revisar textos e criar algumas palavras cruzadas. O silencio voltou a reinar até minha irmã decidir o que iria pedir.

— Não deveriam colocar tanta pressão nele. Ele ainda é novo, pelo amor de Deus. O garoto tem apenas vinte e dois anos. — Ela reclamou, me fazendo sorrir. Apesar de sua ausência de expressão fácil, ela era uma ótima irmã. — E já encontrou alguém?

Sua pergunta me pegou desprevenido assim como todos na mesa. Meus pais se voltaram para minha irmã, a encarando com confusão, afinal foi a primeira vez que ela me perguntou com tanta seriedade e sem qualquer preocupação em seu tom de voz.

— Precisa encontrar alguém e se estabelecer, sabe? Não espere até ficar muito velho. Ouvi dizer que ás vezes, no circulo gay, há preconceitos e o melhor é encontrar alguém cedo.

Deveria ficar surpreso pela sua preocupação com meu estado civil ou pelos seus enganos?

— Não é exatamente assim. E não existe um circulo gay como se fossemos algum culto. — Disse fazendo uma careta. — Vou encontrar alguém quando for à hora.

E claro, me interessar pela pessoa.

Francesca deu de ombros parecendo desinteressada ao beber o vinho em sua taça. O jantar constrangedor continuou por longos minutos até nos despedirmos na entrada no restaurante. Suspirei assim que me vi sozinho a caminho do meu apartamento, que dividia com mais uma pessoa.

Para morar em um apartamento sendo universitário era preciso sorte, uma família rica ou dividir com alguém e, esse era o meu caso. O meu colega de apartamento era um colega de curso com quem falei no meu primeiro dia, Gabriel Mendes. Um jovem do interior que viu sua chance em ter uma vida melhor quando passou na universidade. Bem, ele apenas teve muitas expectativas e a realidade o esmagou aos poucos.

O animado Gabriel, logo se transformou no pessimista. A verdade era que a vida conseguia ser realmente cruel com as pessoas, assim como foi comigo e com ele. E não importasse o quanto se esforçasse, às vezes, a crueldade era a realidade. E a única coisa possível era a adaptação. E Gabriel era bom nisso.

Andei até o ponto de ônibus, satisfeito ao vê-lo chegando três minutos depois. Andar de transporte publico era mais barato e me ajudava a ser mais criativo, afinal para ser inovador nos textos era preciso conhecer novas realidades, pessoas e lugares. Sentei no fundo, apreciando o fato de estar sozinho e finalmente em silencio.

Meus pais tinham um tipo de mentalidade que dificilmente seria alterada e o melhor exemplo disso era a minha irmã. O sonho de Francesca quando pequena era ser dançarina e nossa família não concordou e como se isso não fosse suficiente, ainda a forçaram a ser advogada, promotora ou policial. Nunca vou entender o motivo dela ter concordado em ser policial, se ela fosse feliz era o que bastava.

Mas eu não sabia se ela era feliz.

Nem sequer conseguia resolver meus problemas e estava preocupado com a vida dela. Ri sem vontade ao fechar os olhos, abrindo-os segundos depois. Olhei para os prédios iluminados, os carros do lado de fora e as poucas arvores na rua sentindo um pouco de solidão.

Será que algum dia conseguiria realizar meu sonho?

****

Nico

— Que porra você pensa que tá fazendo? — O grito estridente do meu chefe ecoou pelo cômodo da delegacia atraindo a atenção de todos. E ninguém parecia estar surpreso pelo estado enlouquecido dele, afinal na maioria das vezes, o único responsável pelos seus gritos era eu. Um dos poucos policiais que se atrevia a ser sincero o suficiente para falar o que vinha a mente, o que muitos acreditavam ser grosseria. — Porra, você tá querendo foder comigo.

Ele continuou falando coisas desconexas enquanto pensava onde iria beber ao final do meu expediente. Dei de ombros diante de suas reclamações sobre como estava ajudando a piorar a imagem da policia, principalmente quando esbarrei em um civil e não o ajudei. A verdade é que ele estava irritado pelas possíveis filmagens que poderiam aparecer. Ele queria evitar uma imagem danosa.

— Acha que vou continuar aguentando seus problemas? Se lembre de sua investigação pela morte dos suspeitos. Você nem deveria tá aqui. Foi suspenso por duas semanas.

— Sim, uma porra de suspensão sem motivos. — Bufei ao cruzar os braços em frente ao corpo e recostar na cadeira. — Eu deveria ter ganhado uma medalha por ter salvado as pessoas.

— Não importa quantas pessoas salvou porque será lembrado pelas pessoas que matou.

O encarei querendo negar, mas sabia que era verdade. A sociedade era hipócrita e doentia. Mesmo que quisesse ver bandidos mortos, sempre apelavam para os direitos humanos e colocavam a culpa em outras pessoas como se assim pudessem minimizar sua própria culpa ou consciência pesada. Em meus vinte e seis anos, foi a primeira vez que senti vontade de desistir de algo.

Desistir de meu sonho por estar cansado.

Levantei sem falar mais nada e sai da sala ignorando os gritos do meu chefe. Eu precisava beber e de férias. 

CONTINUA...


Quando você sorriuOnde histórias criam vida. Descubra agora