Capítulo 2

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Capítulo dois

Os apartamentos.

Uma estante abarrotada de livros em um canto escuro.

Estão cobertos de pó, ao menos os didáticos. Mas, sobretudo, a camada cinzenta empoeirada cobre aqueles sobre astronomia, esoterismo e psicologia. Assuntos que já não interessam mais. Há uma forma de entender o mundo agora que estudo algum, seja ele antropológico, filosófico ou mesmo psicanalítico será capaz de decifrar. Freud teria trabalho em entender a psique humana nesse novo formato de civilização. Certamente os humanos tornaram a pior parte da evolução das espécies.

A praga não mudou somente o corpo humano, mas a consciência já não é mais a mesma. Algo no cérebro, na mente dos não transformados está sob nova perspectiva. Não há barreiras para o que se é certo ou errado, impulsos já não são barrados e o instinto mais primitivo, antes relegado ao inconsciente, é posto para fora das formas mais bestiais.

Consequências de uma era da sobrevivência brutal, da mesmice do dia a dia que muda constantemente. O novo que, apesar de se saber existente, não deixa de causar terror, surpresa e ódio. Um medo que move, que não te deixa deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquilamente. Não, sempre alerta, sempre esperando, sempre pronto.

Mas pronto para que?

Os livros. A estante. A camada de poeira sobre assuntos que já não importam nem fazem mais sentido e que causam medo do futuro que está a uma hora à frente, minutos, segundos. Mas que futuro? Estará algum dia registrado em folhas e volumes para ser lido? A raça humana sobreviverá para contar? História velha, essas que ele vê nos exemplares na estante. Talvez um dia sirva para explicar às pessoas que sobreviveram como o mundo foi em um tempo muito, muito distante. Uma época em que os humanos eram apenas pessoas humanos, e não bestas feras famintas.

Acredita mesmo nisso?

Yago se levanta, o sofá range e a marca de seu suor fica de forma oval onde suas costas descansavam no couro gasto, rasgado em várias partes. Duas passadas de pernas e estaria na estante, mas ele não quer isso. Deseja que dure mais que o necessário nessa caminhada rumo à pilha já lida. Estratégias, táticas de guerra. Então é isso que pensa ao estudar esses livros? Pergunta-se de forma inconsciente, caminhando devagar para as prateleiras de trás, o sol entrando através dos vidros de cima, atravessando a larga janela nas paredes beges do apartamento. Ele não vedou aqueles últimos. Deveria, é verdade. Não quer que saibam que existe alguém ali, mas gosta como a luz incide dentro da sala. A poeira dançando no próprio eixo como se fosse holofote iluminando o movimento monótono.

Folheia algumas páginas. Os dedos raspando nas folhas já marcadas por suor de tantos toques. Ele tenta absorver um pouco da humanidade das pessoas que folhearam essas mesmas laudas amarelas, cheirando a mofo. Quase todo o apartamento tem esse mesmo cheiro. Não se pode abrir as janelas para a entrada de ar e sol, pois o odor que vem de fora, com o calor que está fazendo, é sufocante, morno, rançoso e espesso.

Fecha os olhos absorvendo o instante e tudo o que pode ouvir na quietude do apartamento é esse som continuo da fome. Ele não para. Como ondas do mar, ora ressaca, ora marola, mas tão constante quanto as águas que nunca deixam de vir à areia.

– A porta estava aberta, então...

Yago se sobressalta, larga o livro que cai no chão e leva a mão à cintura procurando a faca. Sempre alerta.

– Desculpe, não quis assustar. – Saulo ergue ambos os braços. Um hábito antigo para mostrar que está desarmando.

Yago o ignora, retirando a mão e se abaixando para pegar o que deixou cair. – Deveria ter batido. – A voz sai áspera.

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⏰ Última atualização: Feb 03, 2022 ⏰

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