Se vocês não virem sinais e maravilhas, nunca crerão.

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- Certeza que vocês não vão querer carona?

Era sábado e Karina Bae mal havia devolvido o interfone ao seu suporte, na parede da cozinha do apartamento onde vivia, e já estava sendo bombardeada por perguntas de Irene. Winter já havia chegado, Karina queria muito se concentrar apenas em lembrar de pegar tudo o que precisava para sair, mas ainda tinha que pensar em uma resposta para Irene.

- Por favor, mãe, não. Eu já disse que não.

Por isso foi curta e grossa. Rodopiava a cozinha atrás da bolsa térmica, com comidinhas, da canga – não tanga e nem Tonga – e de...

- Deixa ela, ela se vira. É a segunda vez que ela pega ônibus na vida, já tá profissa.

Essa fala foi de Seulgi. Estavam ela e Irene na cozinha, tomando café da tarde, que nem duas velhas. Café da tarde é muito coisa de gente velha.

- Passou protetor solar? Tá quente. Tem que passar.

Sim, Irene, Karina tinha passado protetor solar. Então a pequena Bae murmurou positivamente. Só precisava das chaves do apartamento. E estas estavam penduradas ao lado da porta da frente.

- Não esquece dinheiro e o documento. – Sim, senhora Seulgi.

- Tá no bolso. – Karina estava com pressa demais. Então se mandou da cozinha sem olhar para trás para responder.

- Leva o celular também. – Irene acrescentou.

- Óbvio que levo. - Estava no outro bolso. Karina se certificou disso antes de recolher o seu molho de chaves do chaveiro.

- E a sua chave também!

- Tô levando! - Seulgi não precisava ter gritado. Se a voz da Kang tinha ecoado pelo corredor, era porque Karina havia aberto a porta da frente com algo. – Tchau procês, acho que volto pelas sete!

Foi aos sons de "tchau, tchau" e "vai com Deus" que Karina fechou novamente a porta do apartamento e pressionou o botão do elevador. O tempo que a caixa de metal demorou para subir foi tempo suficiente para que Karina ajeitasse tudo o que tinha em mãos de baixo do braço. Quanto ao tempo de descida? Tempo suficiente para Karina garantir que estava nos trinques. Cabelo no lugar, roupinha bem lavada e passada – era filha de Irene, era de se esperar -, e com um cheirinho de protetor solar que era mais forte que o do perfume, mas, até aí, tudo certo. Winter também estaria. Provavelmente.

E por falar em Winter, Karina a avistou assim que passou correndo pela recepção, gritando um "boa tarde!" para o porteiro que lhe fez o favor de destrancar o portão. Parecia um cachorrinho feliz, a coitada. Para a sua sorte, Winter Kim a recebeu com um sorriso tão grande quanto. E um toquinho de mãos, claro.

- Ônibus direto até a praia tem onde, aqui perto? Ou cê vai querer ir andando? – Winter perguntou em tom claro de humor. Claro porque seriam umas dez quadras, até o calçadão, e nem fodendo que Karina ia andar tudo isso com aquele monte de coisa pendurada nela.

- A mãe disse pra pegar o 10 agora na ida e o 17 na volta. Aqui no Canal 4. Sigam-me os bons. – Karina estava tão cheia das dicas das mães que até guia turística de transporte municipal ela se sentiu, quando meneou a cabeça para Winter lhe acompanhar à esquerda. Exalava confiança a bichinha.

E seria bom continuar assim.

Sorte delas que não precisaram ficar muito mais de dez minutos no aguardo do ônibus e nem dentro dele. E ainda puderam se sentar, no caminho. O mais difícil, mesmo, foi atravessar a pé o jardim da praia – porque Santos não se contentava em ter um calçadão, havia de ter um Central Park separando o pavimento da areia. Areia que, na real, além de ser escura feito farinha torrada além do ponto, nada instagramável, longe de ser Jericoacoara, tinha uns dez quilômetros de extensão até a beira-mar. Ok, exagero, mas era longe. Caminhar por aquele início de areião mole, então? Quando alcançaram um pedaço firme o suficiente para sentarem, Karina já estava esbaforida. E olha que Karina se considerava um ser atlético.

Eis que os filhos são herança do Senhor!Onde histórias criam vida. Descubra agora