A Bruxa - parte 2

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Sabe, toda as dores que senti nos últimos dias, nas últimas semanas, elas ficaram embaçadas quando troquei aquelas palavras com a Amyliss. Mordo meu lábio. É realmente uma pena que nós não aqueçamos a cama uma da outra, ela não nasceu homem, nem eu. Mas tenho fé de que tudo irá se ajustar, inclusive, não acredito que atos libidinosos entre mulheres seja algo totalmente fora do comum. Nunca parei para pensar como todas aquelas bruxas do coven se 'divertiam'. Certamente não é possível formar uma família a partir disso, mas quem disse que estou buscando uma família? Depois da morte de meu irmão e da partida do meu amado, minhas perspectivas de amor e família sumiram. Imagino como vou dizer a Aysha que Kalil está morto. Ah, Aysha. Ela é a última família que tenho, minha irmã. Onde você está agora? E o quanto você me quer viva? Nunca pensei que a única pessoa que eu de verdade posso chamar de família, pode me querer morta.

A fogueira me hipnotiza. Foi fogo que tomou a vida do meu irmão, fogo destruiu todos os lugares pelos quais passamos no último mês. Fogo. O único elemento capaz de causar tanta transformação, para o bem ou para o mal. Levo meus pensamentos para o Kalil e oro em voz alta por sua alma.

- Que você encontre paz e amizades, irmão. Seus últimos meses de vida foram tão tortuosos e tão duros. É tão doloroso assumir isso, mas sei que sua morte é para o melhor, para o seu bem. Estarei sempre aqui para você e, quando for minha vez, prometo lhe encontrar onde quer que você esteja. Ah! Não se esqueça de mandar meus sentimentos e carinho para 'umiy e baba. Sinto falta deles também, mesmo depois de tudo.

As lágrimas, é claro, escorrem sem aviso e sem minha permissão. Mas dessa vez eu as deixo sair, deixo tudo o que vim guardando desde Derkúrya sair de mim. Mantenho minhas mãos unidas e firmes, enquanto meus olhos se fecham e o único som que essa noite fria me proporciona são o da fogueira e meus soluços.

- Oh, deuses! Onde será que estão todos nossos amigos falecidos? E os que partiram?

Ainda há tanto tempo para acordar a Amyliss, será uma noite difícil. Me deito na neve e deixo meu corpo relaxar. Pelo menos o céu está claro, posso apreciar sem problemas as Luas que iluminam a noite. Lágrimas ainda escorrem de meus olhos, o frio as torna gélidas. Para não ficar parada, eu posso consultar minhas runas, assim pelo menos passo a noite fazendo algo que pode ser útil. Vou até minhas bagagens, busco minha pequena sacola com as runas que eu mesma fiz e as levo para perto da fogueira. Me sento novamente diante do fogo, preciso de qualquer guia ou consolo para meu coraçãozinho olfe. E jogo as runas.

Viagem tranquila. Novas descobertas? Amizades fortes. Desafios à frente. Família.

Bem, não foi uma leitura exatamente clara. Mas tenho certeza de que vou descobrir lentamente essas coisas conforme os dias passam, afinal não é muito bom tentar ver detalhes do futuro quando ele já se mostrou embaçado e confuso.

O resto da noite passou sem maiores preocupações exceto, é claro, aquelas que me levavam até as memórias dos homens que amei e da família que eu posso ter perdido. Quando a Lua de Zurichel atingiu seu pico, eu percebi que passei do horário de chamar a Amyliss. Oh, Deuses, fiquei tão absorta em meus pensamentos que me esqueci de viver o agora, isso tem se tornado um hábito ruim e indevido. Preciso me lembrar de viver mais o agora e deixar o ontem e o amanhã no tempo deles.

Sem me demorar, abasteci a fogueira com lenha nova e chamei a elfa. Como sempre, ela veio com sono, mas felizmente desta vez não havia preocupações, apenas as que eu estava levando para meus sonhos. Ela de bom grado assumiu meu posto. Lhe dei um abraço caloroso para animar o resto da noite que ela iria vigiar. Como seria maravilhoso dormir abraçada com o Calen, ou mesmo usar meu irmão como protetor noturno. Deuses me perdoem, mas até mesmo Sewenger eu aceitaria para me aquecer e me proteger nessa noite, para os infernos todo meu ressentimento ou os outros, essa solidão é avassaladora. Foi então que algo me abraçou. Me arrepiei, não era ninguém físico, ou mesmo algum amigo espiritual, mas era a única coisa que me impedia de ficar sozinha naquela noite, a única coisa que atendeu minhas preces solitárias, a única coisa que estava me impedindo de pernoitar sozinha nesta tenda. O odor élfico da Amyliss invadiu minhas narinas tão doce e suavemente que eu me esqueci completamente de todos os laços terrenos que tínhamos previamente e, em cercanias de um pranto, eu me entreguei ao calor vago do colchão com a fragrância élfica da minha amiga. Me agarrei sem perceber as cobertas, a qualquer coisa que podia abraçar, e abracei. Em silêncio e em contendo meu choro eu mentalizava seu nome e clamava por seu calor, a única pessoa para quem eu podia correr e que sempre estaria ali, e estava agora.

A Guerreira e a BruxaOnde histórias criam vida. Descubra agora