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O pesadelo - de sempre - a acordou no mesmo horário.

Todas as noites eram assim: Élodie lia os livros recomendados pelo rei até cair no sono. Exatamente uma hora depois, começava a sonhar com seu irmão Bernard.

Os olhos de Bernard deixavam transparecer o medo que ele sentia, assim como sua voz, quando ele dizia:

- Alguma coisa ruim aconteceu.

Élodie não via mais nada, pois sempre acordava depois disso, suada, o coração disparado e com uma dor insuportável no peito.

Ela não precisava continuar em seu pesadelo para saber o que aconteceria depois: toda a sua família, incluindo Bernard, morta.

Os gritos, o sangue.

As lágrimas que desciam pelo seu rosto.

O olhar de Oto ao encontrá-la.

Tudo isso não precisava aparecer em seus sonhos ruins, porque já habitava a sua mente quando ela estava acordada.

Élodie sentou-se na cama e fez como Delilah a ensinara: inspirou, depois, expirou. Aos poucos, foi se acalmando.

Delilah era um anjo em sua vida. A única figura materna que encontrara depois do assassinato da sua mãe, a rainha Amélie.

Mesmo sabendo que Delilah fora contratada pelo rei, Élodie não a odiava. Como poderia, se ela era a sua única fonte de carinho?

O rei Oto também fornecia afeto, mas ninguém poderia culpá-la por rejeitar o amor de quem tirou a vida de inúmeras pessoas, incluindo crianças.

Oh, como ela sentia falta de Bernard e de suas frases complexas demais para um garotinho.

Até mesmo Alain, com sua arrogância típica de um primogênito, fazia falta.

E Sophie...

Fechou os olhos ao lembrar de Sophie, apenas um ano mais velha.

Por que Oto não poupara a vida da sua irmãzinha?

Sophie era a sua melhor amiga, e uma versão menor da rainha Amélie: doce, sonhadora, gentil.

Élodie não tinha nada disso dentro de si, mas tentava cultivar algo de bom em seu coração. Por Sophie.

Respirando fundo, a princesa se levantou, mesmo no escuro. Por questões de segurança, as janelas do seu quarto não ficavam abertas à noite, de modo que a luz do luar não o iluminava.

Mas Élodie desenvolvera a capacidade de perambular pelo cômodo mesmo com as luzes apagadas. Sabia que poderia acender um dos castiçais, mas fazer tudo no escuro trazia a sensação de que fazia algo errado - e ela adorava.

Oto a protegia de maneira exagerada - era preciso ter a permissão real para se aproximar da princesa -, por isso ela sentia-se poderosa ao sair do quarto, todas as noites após o seu pesadelo, para perambular pelos corredores do castelo.

Os guardas que protegiam a ala do castelo em que Élodie ficava a acobertavam. Parecia impossível que tantos homens a serviço do rei se rendessem à vontade de uma princesa mimada, mas ela tinha o poder de persuasão.

Foi só aos quinze anos que a princesa descobriu a própria habilidade: o filho de um dos nobres pegara para si, durante um jantar, o último pedaço de cordeiro. Élodie, mesmo cheia, considerou um desrespeito que ele não tivesse perguntado se ela o queria. Então, como se tomada por uma força maior, disse:

- Eu quero.

- Perdão, alteza?

- Eu quero a carne.

REBEL || Timothée Chalamet Onde histórias criam vida. Descubra agora