As peônias

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BROOKLYN

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BROOKLYN

Cecília, esse era o nome da minha mãe ou Lia, como era conhecida. Ela e minha tia Ellen, nasceram e cresceram em Bérgamo, na Itália e só se mudaram para Florença um tempo depois após minha mãe conhecer o meu pai Giancarlo, onde ficaram fixos até então. Ellen e Cecília eram do tipo inseparáveis e compartilhavam todos os segredos possíveis, todavia, ambas eram muito diferentes, pelo menos era o que minha tia me contava. Enquanto uma almejava ser médica, a outra sonhava em ser artista plástica usando seus pincéis e tintas de diferenciadas cores, enquanto uma amava sair aos sábados à noite para dançar em festas e beber com os amigos, a outra preferia ficar em casa estudando ou vendo um filme com a família. Todavia, quando me perguntam o que mais admiro nisso tudo é que quase nunca minha mãe e minha tia brigavam e, mesmo que tivessem ideias divergentes, elas apoiavam uma à outra e sempre estavam juntas em qualquer situação. Porém, deixe-me contar do começo, o que pode até parecer improvável de acreditar, mas afirmo que foi tudo verdade incluindo os mínimos detalhes. Eu sou de família católica e até onde sei, todos os meus parentes frequentavam sempre a Basílica de San Marco e havia sido lá onde fui batizada. Particularmente eu não me lembro de muita coisa, já que era pequena demais na época, contudo, o lugar onde nasci se tornou inesquecível para todos que estavam presentes no dia, em pleno jardim de peônias rosas atrás da minha casa (e essa era a parte improvável que mencionei segundos atrás). Sim, foi lá onde eu nasci após cinco minutos de trabalho de parto da minha mãe diante de toda aquela paisagem reconfortante e, de acordo com o que contaram para mim, Cecília me segurou em seus braços, me deu um beijo na testa e sorriu, dizendo meu nome logo em seguida: Brooklyn. 

Contudo, o destino tende a ser cruel na maior parte do tempo e ele não faria diferente dessa vez, o qual estava prestes a tirar a pessoa mais importante para mim de uma maneira inimaginável. Era uma noite de sexta, meus pais voltavam para casa após um jantar no centro da cidade e, pelos relatos da minha tia Ellen, ambos estavam muito felizes antes de sair, carregando em seus olhares um amor inigualável exatamente de quando eles se conheceram na adolescência. Meu pai dirigia o carro e minha mãe estava ao lado dele, porém nunca irei saber ao certo quais foram talvez seus últimos pensamentos ou palavras, nunca irei saber se ela gargalhou ou apenas sorriu singularmente, ou se ajeitou os cabelos... Nunca irei saber por que eu não estava lá, eu não estava presente quando um caminhão fora de controle atingiu em cheio o veículo bem do lado onde se encontrava minha mãe, fazendo-o capotar quatro vezes até ficar de ponta a cabeça. Ela e meu pai foram levados imediatamente para o hospital local, porém Cecília já havia partido e seu coração não batia mais, por outro lado, Giancarlo sofreu ferimentos leves, alguns cortes e uma concussão. Acontece que ele nunca mais foi o mesmo após aquela perda irreparável e não conseguia se perdoar pelo ocorrido, dizendo repetidas vezes a mesma coisa: "Se eu não tivesse a levado para jantar, Lia ainda estaria aqui, ela ainda estaria aqui."

Confesso que não me lembro muito bem da minha mãe, pois eu só tinha apenas três anos quando ela veio a falecer, entretanto, a nossa mente é uma caixinha de surpresas se o assunto for memórias então, a única coisa que me recordo dela é uma música específica chamada Ain't No Mountain High, Marvin Gaye e Tammi Terrell, e minha tia Ellen confirma isso, quando me contou que em diversos momentos, flagrava Cecília dentro do meu quarto me segurando no colo dançando e cantando ao som dessa canção. E esta é a única coisa de que me lembro e guardo com carinho em meu coração, mas a minha vida estava prestes a mudar drasticamente após uma decisão do meu pai de que morar com Ellen seria melhor para o meu desenvolvimento. Acontece que já faziam alguns anos que minha tia morava nos Estados Unidos e havia ido para lá fazer sua pós-graduação em medicina, nos visitando apenas em datas comemorativas ou feriados, todavia, após a morte de Cecília, Ellen retornou para Europa e me explicou que eu passaria um tempo com ela fora do país. De fato, meu pai não tinha estabilidade emocional para cuidar de uma criança naquele momento, mas isso não significava que ele havia deixado de me amar, muito pelo contrário, ele fez o que era melhor para mim e seria justamente em solo americano que um novo capítulo da minha história iria começar do zero.

Os Quatro Mundos de Hannah Miller (REVISADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora