Pretérito Imperfeito

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THERESA

[The New York Times, Nova York]

Faziam exatos uma semana que eu havia voltado de Baton Rouge, porém sentia que algo tinha mudado e eu não era mais a mesma pessoa de antes. Minha mente começou a reviver continuamente o momento em que aquele Homem que dizia ser quem era, me abraçou e falou sobre coisas que somente eu sabia. Coisas do meu passado, segredos escondidos dentro de mim, mas que de alguma forma Ele sabia e eu também soube quem Ele era no exato momento em que me abraçou e isso bom, isso fez com que eu mal conseguisse me concentrar no trabalho, coisa que nunca tinha acontecido antes.

Ontem por exemplo havíamos tido uma reunião com os redatores, o editor chefe e a editora de fotografia, tendo na sala um total de cinquenta pessoas. Seria eu quem deveria apresentar os projetos para o jornal, no entanto, não consegui, pois, tive uma crise de pânico horrível e acabei sendo substituída por um estagiário naquele momento. Era fato: eu precisava de um tempo e pensei que seria uma boa idéia talvez visitar os meus pais em Los Angeles, na Califórnia. Após conversar com meu superior, ele me concedeu uma semana, tempo suficiente para que eu pudesse me reencontrar.

***

[10 de julho, domingo]

Naquele mesmo dia, cheguei em meu apartamento por volta das oito e meia da noite e não perdi tempo em comprar a passagem e arrumar as malas para a viagem que iria fazer. Sentada no sofá com o macbook em meu colo, resolvi abrir o arquivo e lá estavam algumas fotos minhas e da Hannah de momentos específicos que tivemos. Como eu sentia falta dela, sentia falta do som da sua voz, do seu perfume e do jeito Miller de ser o qual era único.

Avançando mais um pouco, encontrei algumas fotografias minha de quando era criança: eu com meus pais na França, eu na vez em que fomos para Índia conhecer a cultura e a religião de lá, eu e Alina, minha babá na época e eu com o Miguel. A última foto me desestabilizou justamente por relembrar de como eu era uma Theresa completamente diferente dessa que sou hoje. Havia fé em mim, fé em um Deus invisível que curou o meu melhor amigo depois de uma oração que fiz então, sim, por muito tempo acreditei que Ele fosse real, mas depois das descobertas que fiz em relação a minha orientação sexual, aos poucos deixei de crer. Afinal, por que esse Deus que fez um câncer desaparecer não poderia fazer o mesmo em mim, removendo esse desejo que eu sentia por outras mulheres?

Por que teria que ser assim tão difícil? Rapidamente fechei o macbook, me levantei e fui até a cozinha pegar uma taça de vinho, quando retornei para sala, liguei o home theater, conectado ao spotify colocando para tocar no último volume a música God's Whisper, Raury.

Osom se espalhou por todos os cômodos, não somente ali em meu apartamento, mastambém por todos os cômodos abandonados dentro de mim. Deixei a taça de vinho inacabada sobre a mesa efui até o meu closet, a fim de encontrar algo que tinha certeza de que ainda estariacomigo então, rapidamente esvazieidiversas caixas quando finalmente achei o que procurava: minha antiga Bíblia aqual estava totalmente empoeirada. Eu poderia ter desfeito de umano período da universidade quando a arremessei longe por estar com raiva deDeus, só que este havia sido um presente da Alina quando eu ainda era criança e completamenteapaixonada pelo Evangelho. Ao retornar para sala, me sentei no sofá e comecei a folhear lentamente aquele livro sagrado.

Uma coisa era verdade, cada página dele era como um espelho que me mostrava o quão agradável era o lugar do qual eu havia saído, do qual eu havia abandonado sem ao menos olhar para trás e que agora, nesse momento, fazia falta.

Eu sentia saudades da fé que tinha antes quando criança, da maneira como conversava com Jesus e tinha intimidade com Ele. Bem ali, mesmo que depois de tanto tempo ouvindo por diversas vezes, finalmente compreendi o que aquela música que ecoava tão alto naquele ambiente, significava de verdade. Acontece que, por mais que eu tivesse escutado o sussurro de Deus e tivesse visto todas as chances que apareceram em meu caminho para voltar ao início, a única coisa que fiz foi passar a vida negando a existência de Uma Pessoa a qual eu sabia que existia. Na verdade, acho que eu O odiava pelo simples fato dEle não ter me atendido como eu quis e então, passei ser a minha própria salvadora, governando a mim mesma em um trono feito do meu próprio orgulho.

Os Quatro Mundos de Hannah Miller (REVISADO)Onde histórias criam vida. Descubra agora