Rufus Malabares carregava a pesada maça de guerra nas costas e um lampião na mão direita, trajando uma armadura de couro sobre as roupas leves que serviam como uma camada adicional de proteção à pele bronzeada. Não era alto: batia cerce de 170 cm, o que muitos constatavam com assombro ao ficarem lado a lado dele. Talvez houvesse uma aura ao redor de Rufus que causasse a impressão de que poderia ter bem mais que isso de altura. A expressão indecifrável na face completava a barba por fazer, os olhos castanhos muito claros e a vasta cabeleira negra que não chegava perto de bater os ombros dele.
Deixara seus pertences de viajante em Saúna, há pouco menos de dois quilômetros de onde estava. Além de não haver necessidade de levar peso adicional até o provável covil do troll, esta estratégia servia como uma forma de garantia aos locais: qualquer tentativa de debandada se traduzia em perder aqueles itens essenciais.
Com conflitos ocorrendo no Oeste, outras regiões acabaram ficando à mercê da sorte, como foi o caso de Saúna. Alguns trolls passaram a habitar a Mina de Cobre, levando pânico aos mineiros e, como consequência, à região como um todo. Os bichos chegaram a atacar Saúna uma vez, o que impulsionou a guarda local a montar uma campanha para dar cabo das criaturas. A contagem levou a entender que eram apenas dois, por isso um pequeno grupo de 20 homens foi montado para resolver isso.
Ocorreu de haver um a mais que o esperado e cerca de metade do grupo ser perdido. Entretanto, este acabou sendo o amargo sabor do sucesso da diminuta campanha, de onde houve um triunfal retorno com a garantia de normalidade. Isso ocorrera três dias antes de Rufus chegar à Saúna. Dois dias atrás, um quarto troll apareceu, vestindo o que parecia ser uma armadura alaranjada e causou caos ao vilarejo, com um cheiro metálico de morte impregnado.
A chegada do andarilho causara certo temor em um primeiro momento, dada a fragilidade pela qual a localidade passava. O que era uma barreira de medo rapidamente foi convertida em véu de otimismo pela simpatia de Rufus. Talvez fosse uma súplica desesperada e final daquele povo pela própria segurança, talvez fosse a oportunidade que Rufus procurava para começar a fazer seu nome como herói. Porém uma coisa era concreta disso tudo: Rufus agora seguia para o provável covil da criatura e esperava trocar a cabeça dela por um punhado de moedas de ouro. Um contrato.
O dinheiro do contrato não importava. O que importava era superar aquela tarefa e tudo mais que isso representava.
Chegou à Mina de Cobre pouco depois do meio dia. Falhar ali significava que seu último almoço seria a manga que viera comendo. A mina não era mais que uma caverna escavada em um morro que, a princípio, não parecia se afundar na terra, talvez pelos minérios estarem aflorando em sua maioria. Ou assim fora no passado, como murmurava a formação geológica no seu rochoso silêncio.
Rufus levou a mão até o peito para se certificar que seu Colar Forte estava ainda ali, apertou-o quase que em um gesto de fé e o escondeu mais uma vez sob a roupa. Em seguida, acendeu o lampião com um único fósforo que carregava e adentrou a escuridão da mina que assobiava uma canção arranhada. Ouvidos sempre atentos era essencial quando a visão podia vacilar em meio à bruxuleante luz que cobria o local. Corredores largos, picaretas e martelos abandonados, escoras pelo entorno, tristes lampiões mortos e nenhum corpo. No geral os trolls não se importaram com a decoração, exceto quando esta podia apodrecer e causar mal cheiro.
Os grãos de areia batiam de forma descompassada em resposta aos passos cuidadosamente silenciosos de Rufus, quando foram interrompidos pelo estalido de uma rocha de maiores proporções. Era esperado que isso fosse acontecer a qualquer momento pois, afinal, o troll havia sido encontrado. E o troll encontrara um invasor.
Só houve tempo para uma esquiva porque os sons entregaram a presença do troll. Rufus pousou o lampião e pegou a maça em tempo de ver a criatura se aproximar. Ela era enorme, de olhos saltados e gorda; a dita armadura na verdade era a pele cinzenta dele coberta pelo que parecia ser cobre derretido. O processo poderia ser doloroso para um humano, mas talvez fosse minimizado quando se tratava da dura pele de um troll. Carregava, ainda, um tacape com a ponta recoberta por cobre e berrava conforme corria.
Veio o primeiro impacto com o tacape, o qual foi devidamente defendido pela contraparte com a maça, causando um estrondo que reverberou pela mina. Na limitada capacidade cognitiva do troll, aquilo não devia ocorrer, o que deu a abertura necessária para que Rufus tirasse o tacape do caminho e acertasse com um chute a virilha da criatura. Para um humano, este seria um chute equivalente a acertar a cabeça. Ter impulsionado a criatura alguns metros para trás também significava que aquele chute era morte certo para um humano.
Por mais que fosse largo, o corredor se tornava estreito para um combate como aquele que acontecia ali, além de pessimamente iluminado. Nos vários golpes que desferia, o troll por certas vezes ralava os dedos contra o teto. Veio mais um golpe, Rufus desviou de forma que ficou com a lateral direita para a frente da criatura e desceu o braço esquerdo em um poderoso golpe com a maça, quebrando o braço do ser acobreado. O troll, por sua vez, gritou de dor e utilizou o outro braço para golpear contra o pequeno humano que se encontrava encurralado.
Rufus abaixou-se, desviando do golpe que acertou o próprio emissor deste. O troll perdeu o equilíbrio e levantou a perna direita como se fosse cair e, rapidamente, o usuário da maça descreveu um pequeno arco anti-horário com a maça, acertando a desequilibrada criatura e levando-a ao chão ali mesmo. Outro movimento rápido da maça, dessa vez segurada com as duas mãos, trouxe ao fim a vida do troll.
Levou um tempo para separar a cabeça do troll com algumas picaretas, já que muitas quebraram no processo, e também de procurar por outros que pudessem estar ali, mas não achou nenhum. O caminho de volta foi mais rápido, ou assim a adrenalina no corpo de Rufus ditou. O frenesi de sua chegada ficou ainda maior depois que avistaram a cabeça da criatura e constatou-se que Saúna estava segura verdadeiramente.
Era agora um herói para aquele povo, o Herói de Saúna. Sem cerimônia, Rufus aceitou passar a noite por ali, comer e beber em comemoração, além de narrar em detalhes sobre o que ocorrera. Na manhã seguinte partiu com suas moedas e com a promessa dos locais de que sua história seria narrada sempre que fosse possível.
Rufus não poderia estar mais satisfeito por ter ouvido isso.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sob a terra agora habita
Ficción General[2020] A história conta, em meio a um entrelaçamento de presente e passado, a fuga de um monge e um idoso do Monastério das Velas. Perseguidos por inimigos sobre os quais não fazem ideia das motivações, a dupla segue guiada apenas pelo instinto de s...