Tenho certeza de que ainda estou dormindo, pois quando abro os olhos me deparo com um teto cheio de ervas daninhas e vinhas espinhosas, elas desciam pelas paredes como se fossem as garras de uma poderosa fera prestes a destruir o cômodo onde me encontro. Sem janelas, há apenas uma grande sacada num dos lados daquelas quatro paredes por onde a luz do sol entrava iluminando tudo ao meu redor num preguiçoso amanhecer.
Estranhamente, o cenário me é familiar, principalmente devido a pichação espalhada pelas paredes e as lacunas na única porta do lugar. Estou deitada sobre um colchão empoeirado e que fede a bolor, mas a camiseta que me cobre é estranhamente cheirosa, seu cheiro lembra minhas hortênsias.
E, quando estou prestes a me levantar, uma silhueta se projeta do meu lado e se senta, espreguiçando-se longamente antes de parar e me encarar. Vejo cabelos longos o suficiente para alcançar seus cotovelos, lisos e de um tom extremamente claro de loiro, olhos azuis iguais a um céu limpo e pele clara como porcelana. Ele está sem camisa e seu físico de músculos esguios transparece na delicadeza do seu olhar calmo.
Isso é uma memória? Sinto como se estivesse revivendo cada segundo daquele dia no qual nos encontramos e não quisemos nos separar. Por fim, nosso destino foi uma casa abandonada na vizinhança a qual não via uma faxina há décadas; não importa, naquele momento nada importava, só nós dois e o estase.
Nós transamos como dois adolescentes cheios de álcool nas veias, eu presa em sua jaqueta de couro e ele fixado nas nossas promessas embriagadas. Foi um primeiro encontro abalador, mas o guardo com carinho nas minhas mais queridas memórias, assim posso sonhar com aquela noite de vez em quando, nos momentos em que mais preciso de alegria para fugir da realidade.
Por fim, quando estou prestes a me levantar e encarar o rosto daquele que pensei ser um dos meus grandes amores, sou despertada lentamente por aquelas mesmas palavras enigmáticas que nunca entenderei:
"Venha me ver, estou te esperando, Bianca"
Desta vez, quando meus olhos se abrem, avisto o teto do meu quarto, sem plantas tomando conta do lugar, apenas a luz apagada e as silhuetas dos meus móveis e artigos pessoais. Estou embrulhada na cama com vários cobertores ao meu redor me deixando submergida num confortável calor, mas infelizmente tenho que me levantar. Porém basta colocar um pé para fora do colchão para que a tontura e a náusea me ataquem numa luta unilateral e injusta. Eu me dobro ao meio e acabo caindo de joelhos sobre o chão, sinto o ar frio me atingir em cheio e por longos segundos tudo o que consigo fazer é puxar o ar para dentro dos pulmões e depois empurrá-lo para fora de novo.
Isso até que um som me chame a atenção.
OWFF!
Inicialmente, demoro-me a perceber que se trata de um latido gutural, totalmente sobrecarregado de raiva. Ainda letárgica, minha mente se atrasa em me entregar as informações certas e eu acabo simplesmente me escorando na cama para me levantar e ver o que está acontecendo.
Minhas pernas bambeiam, estou fraca demais para fazer o mais simples dos esforços, mas persisto e consigo me esgueirar até a porta do quarto de onde vejo uma cena peculiar na minha sala. Logo na boca do corredor, uma fera enorme de pelo castanho rosna para uma silhueta esguia de sorriso orgulhoso. Minha mente finalmente termina de se organizar e me entrega os nomes daquelas duas figuras que estão prestes a lutar bem no meio da minha casa.
— Gustavo, Dimitry!
Ao meu chamado, ambos me encaram, Gustavo ainda em sua forma canina e Dimitry com as presas longas arreganhadas num sorriso maléfico. Me apresso em ficar entre eles para que se afastem, mas eu mesma não estou nas melhores condições e acabo quase caindo, isso se não fossem os braços rápidos do Dimitry para me segurarem.
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Amor ANTInatural
RomanceUma vida regada a homens e bebidas, festas e noitadas; assim era como Bianca vivia com seus muitos contatinhos. Entretanto as coisas mudam um pouco de cenário quando ela se depara com um homem misterioso que a leva para uma viagem só de ida ao mundo...