Prólogo

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                   Prólogo


Além da torre de Tügurlan, em Lewenna, a luz fraca do entardecer filtrava-se através das árvores da aldeia, lançando sombras longas e distorcidas sobre as ruas. Um vento delgado soprava através dos portões do povoado, onde as respirações de aldeões e cavaleiros envolviam-se em uma mistura de nuvens de vapor no ar frio daquele final de tarde. Sobre suas cabeças, balançava-se o estandarte com o brasão da família real; um falcão coroado com uma coroa de ferro.

No centro da aldeia, jazia a família Tügurlan. O silêncio era opressor aos ouvidos do jovem príncipe Taehyung, quebrado apenas pelos murmúrios ansiosos e abafados da multidão pelo o que iria acontecer.

Um calafrio involuntário perpassou a espinha do príncipe ao que a plebe presente na praça começava a vaiar furiosamente, sedentos por justiça, enquanto um grupo de quatro pessoas eram rudemente empurrados pelos guardas. Seus corpos frágeis cambaleavam, alguns tropeçavam, quase caindo, mas eram brutamente puxados de volta pelo puxão frio das correntes presas a seus pulsos e pés. Taehyung pensava que se tratavam de bárbaros. Lembrou-se de músicas e histórias cantadas a séculos sobre eles: bárbaros eram pessoas cruéis e assassinos; ladrões que moravam na floresta e ficavam a espera de vítimas para roubar-lhes os pertences ou matá-las para saciarem a fome. Pensar nisso fazia o estômago do príncipe revirar em ânsia.

Automaticamente, seus olhos percorrem os rostos de aparência amedrontada de cada selvagem.  

O primeiro dos homens era um tanto velho e magro. Uma barba cinzenta cobriu-lhe o rosto pálido, suas roupas estavam imundas e remendadas. Lembrava-lhe mais um cadáver do que um ser humano. O outro homem era alto e jovem, a sombra de uma barba crescia-lhe na face expressivamente chorosa. Para Taehyung, o homem não lhe parecia com um cadáver, mas sabia que era questão de tempo até se transformar em um. A mulher tinha cabelos escuros e seu rosto carregava uma palidez fria e cinzenta de exaustão. Assim como os outros, era magra e suas roupas se encontravam rasgadas e sujas, tinha os ombros caídos e mancava da perna direita. Quando acabou por finalmente olhar para o último da fila, sentiu-se subitamente curioso. Era uma criança, igual a si. Terrivelmente magro e assustado. Tinha os lábios sangrentos entreabertos em pavor, revelando a falta de um dente da frente, e os cabelos negros como carvão estavam empapados de suor. O jovem príncipe se perguntava o que um menino como ele faria de mal  a outras pessoas. Sentiu um nervosismo súbito quando os olhos do garoto pousaram nele, encarando-o entorpecido. Uma clara dor podia ser vista refletida naqueles olhos escuros. O pequeno e magro corpo vestido apenas com uma túnica preta, mostrando a nudez de suas pálidas coxas, tremelicava, de frio ou de medo, ou mais provavelmente de ambos. Viu-lhe empalidecer e os lábios tremerem a medida que se aproximavam aos tropeços do tribunal improvisado. Ele tentou desviar os olhos do garoto, como fazem os medrosos com algo que lhes dão medo, mas não conseguiu. Foi compelido a sustentar o olhar no rosto do pequeno selvagem.

Parte de Taehyung desejava apenas fugir e esconder-se debaixo dos lençóis grossos de sua cama enquanto sua meia-irmã contava novas histórias antes de dormir. Mas ele sabia que se o fizesse  seu pai nunca perdoaria  tal desrespeito e afronta para consigo, a corte e o reino.  

Deu-se por si olhando para o homem que reconhecia como pai. Parado ao seu lado, o rei mantinha-se em pé, imponente e impassível. Atrás deles dispunham-se em pé seus três irmãos  bastardos, sua mãe e todos os membros do castelo responsáveis pelos assuntos do reino. Todos carregavam olhares frios e desprovidos de emoções, como de cobras. Seu pai olhava com desprezo para os selvagens, sua compleição estava robusta; a áurea transbordando soberba. Vendo-lhe a arrogância na fisionomia, Taehyung sentiu medo das decisões que o pai tomaria pelos selvagens. Por fim, o rei adiantou-se, digno e imperturbável, dando um passo para frente da corte. De repente, tudo caiu em um pesaroso silêncio.

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