Clara dos Anjos, meio debruçada na janela do seu quarto, olhava as árvores imotas, mergulhadas na sombra da noite, e contemplava o céu profundamente estrelado. Esperava.
Fazia uma linda noite sem luar; era silenciosa e augusta. As árvores erguiam-se hirtas e se recortavam na sombra, como desenhadas. Nem uma aragem corria; mas estava fresco. Não se ouvia a mínima bulha natural. Nem o estridular de um grilo; nem o piar de uma coruja. A noite quieta e misteriosa parecia aguardar quem a interrogasse e fosse buscar no seu sossego paz para o coração.
Clara contemplava o céu negro, picado de estrelas, que palpitavam. A treva não era total, por causa da poeira luminosa que peneirava das alturas. Ela, daquela janela, que dava para os fundos de sua casa, abrangia uma grande parte da abóbada celeste. Não conhecia o nome daquelas joias do céu, das quais só distinguia o Cruzeiro do Sul. Correu com o pensamento errante toda a extensão da parte do céu que avistava. Voltou ao Cruzeiro, em cujas proximidades, pela primeira vez, reparou que havia uma mancha negra, de um negro profundo e homogêneo de carvão vegetal. Perguntou de si para si:
— Então, no céu, também se encontram manchas?
Essa descoberta, ela a combinou com o transe por que passara. Não lhe tardaram a vir lágrimas; e, suspirando, pensou de si para si:
— Que será de mim, meu Deus?
Se "ele" a abandonasse, ela estava completamente desmoralizada, sem esperança de remissão, de salvação, de resgate... Moça, na flor da idade, cheia de vida, seria como aquele céu belo, sedutoramente iluminado pelas estrelas, que também tinha ao lado de tanta beleza, de tanta luz, de não sabia que sublime poesia, aquela mancha negra como carvão. Cassi a teria de fato abandonado? Ela não podia crer, embora há quase dez dias não a viesse ver. Se ele a abandonasse — o que seria dela? Veio-lhe então perguntar a si mesma como se entregou. Como foi que ela se deixou perder definitivamente?
Clara não podia bem apanhar todas as fases dessa queda; ela se lembrava de poucas e sem nitidez apreciável. Tudo foi num galope para a desgraça... Em começo, a primeira impressão simpática, os gemidos do violão, os seus repinicados, seguidos dos requebros dos olhares do tocador, que os exagerava e punha neles não sei que chama estranha, doce e, ao mesmo tempo, quente. Impressionara-se muito com isso, tão preparada já estava para os efeitos do instrumento. Depois, aquela oposição de todos, aquele falar contínuo nele, para dizer mal, tanto da parte do padrinho, como da parte da mãe e de dona Margarida. Essa insistência em denegri-lo fizeram que ela representasse, dentro de si mesma, Cassi, como um homem excepcional, que causava inveja a todos, pelas suas qualidades de bravura, pela sua habilidade no canto e na viola. Não acreditava no que diziam dele... Pareceu-lhe, na primeira vez que o viu, tão modesto, tão reservado de modos, tão delicado, que não podia ser o que diziam. Quando conversou com ele, meses depois, pela primeira vez, no gradil de sua casa, mais esse retrato se firmou; as suas conversas eram tão inocentes e honestas, falando sempre em empregar-se e casar-se com ela; removendo as objeções e dúvidas que ela punha quanto à viabilidade do casamento deles, com segurança e franqueza; contrapondo, para mostrar a sua possibilidade, à cor dela, além da grande paixão que nutria, a sua pobreza, a oposição dos pais, a sua falta de posição, de saber — o que não permitia a ele aspirar grandes casamentos vistosos, com mulher mais bem-educada do que ele, mais instruída...
O seu ideal era Clara, pobre, meiga, simples, modesta, boa dona de casa, econômica que seria, para o pouco que ele poderia vir a ganhar...
De dia para dia, ele ganhava mais fortemente a confiança da rapariga. Ela se convencia e sonhava a toda hora com aquela "casa branca da serra", onde iria aninhar o seu amor por Cassi. Indagava, em todas as entrevistas, dos passos que ele dava para obter emprego, colocação; e ele, com blandícia, com afagos, dizia-lhe com açúcar nas palavras: