Dois

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O calendário do celular aponta a data gritante de cinco anos no futuro e Jiang Cheng é obrigado a lavar o rosto muitas vezes, tentando acordar do sonho. Ele não pode ficar preso nesse lugar. Se for um sonho, então ele vai acordar quando sentir dor uma vez que a água não funcione, certo?

Errado.

Jiang Cheng só consegue um hematoma na testa e a piora de sua dor de cabeça. Óbvio, ele finalmente transmigrou, como nas novelas.

A parte triste é que ele permanece no mesmo corpo, apenas um pouco menos sedentário e mais alto. Ele está mais bronzeado também e não tem um cultivador de núcleo dourado ao lado dele.

Sim, ele sabe que seria pedir demais pela sorte. Para transmigrar, ele precisa morrer. Será que foi a bebida ou o sexo desenfreado que o matou? Se ele morreu nu, Jiang Cheng quer voltar e se matar.

Ainda assustado, ele enfia o rosto debaixo do fluxo de água e molha toda a cabeça. Ainda bem que seu celular continua sendo sem senha ou ele estaria ferrado. Com o cabelo pingando e molhando os ombros e costas, Jiang Cheng se senta na privada. Ele vasculha o celular, encontrando várias pastas de fotos.

Há centenas de fotos dele com esse homem. Algumas de quatro anos atrás, meio embaçadas, com muita gente à volta. Ele encontra um print de twitter do cara dizendo “esse na foto sou eu” e então há uma dezena de fotos deles em vários cenários diferentes.

Parece que ele está vendo a vida de outra pessoa passar na sua frente. Os prints mostram conversas fofas e engraçadas, há uma foto de duas mãos com alianças e Jiang Cheng quer vomitar que essa sua versão cinco anos mais velha é tão brega.

Ele encara as duas alianças na mão esquerda. Ele deixa as fotos de casamento de lado e retira os anéis.

─ “Ser, estar e amar com você.” ─ Jiang Cheng já pode conversar com os deuses do casamento? Onde ele pode pedir divórcio o mais rápido possível? ─ Não faz dois dias que eu jurei que nunca mais iria namorar e agora estou nisso. Foda-se.

Jiang Cheng precisa respirar fundo e aceitar que nem todo mundo que transmigrou ou viajou no tempo ou seja o que for terá um demônio gostoso para dar a noite toda. Às vezes você apenas morre pelado, no meio de uma orgia e acorda casado com um engomadinho e um filho.

Essa porra quase parece a estória da Bela Adormecida, exceto que ele não foi sexualmente abusado.

Quer dizer, ele espera que não.

As batidas na porta são baixas, mas o fazem saltar de susto e o celular quase escorrega de sua mão.

─ Amor, eu sei que você está chateado, mas não parece bem. O que há? Precisa de um remédio? ─ Lan Xichen sabe que eles estão brigando por causa da tequila e que isso vai passar junto com a ressaca. Quer dizer, ele achava isso até Jiang Cheng gritar com o filho deles.

Seu marido é o mais paciente dos dois com os sustos que Lan Jingyi sempre dá. Logo, Lan Xichen tem medo de que alguma coisa esteja fora do lugar.

─ Estou apenas passando um pouco mal, já vou sair. ─ Jiang Cheng hesita em dizer sua próxima frase, ele não sabe o nome do cara e o apelido nos prints parece tão pessoal que ele quer desistir e morrer ali. Esse tipo de intimidade não pertence ao ele atual, mas não é como se Jiang Cheng pudesse apenas perguntar como seu marido se chama. ─ Meu coração, você poderia me comprar um remédio para alergia?

Lan Xichen ri. É baixo e bonito. Seu coração se derrete. Faz muito tempo desde que ele foi chamado assim por seu marido, há quase dois anos. Recentemente Jiang Cheng o chama Lan Xichen ou “meu amor”, às vezes o chama de “praga” e é geralmente numa situação específica.

Por favor, Bom Senhor Do Sagrado Constrangimento, mate Jiang Cheng. Ele se sente patético.

─ Não prefere remédio pra ressaca depois de ontem? ─ Lan Xichen ainda está sorrindo, um pouco aliviado que Jiang Cheng apenas está com uma dor de cabeça e não está realmente ressentido dele. O grunhido do outro lado da porta é um sinal de que Jiang Cheng prefere o remédio de ressaca. ─ Venha, Jingyi, vamos dar uma volta no carro do papai. ─ Os bracinhos de seu filho se estendem de imediato, deixando o urso cair.

Jiang Cheng é pai de alguém. Esse conhecimento demora a se assentar na sua mente e ele só consegue ter vontade de chorar.

Ele é muito novo para ser um pai. Jiang Cheng ainda se considera um fodido bebê, como esse idiota com a camisa de botões o convenceu a ter um filho? Alguém o mate agora.

O lado positivo é que ele está sendo comido por um gostoso e a criança parece muito fofa.

Todo o resto são pontos negativos.

──♡──

Quando o homem e a criança retornam, Jiang Cheng já stalkeou boa parte de sua vida e se sente mais confiante de andar pela casa. Comparado com o apartamento em que ele vivia com Su She, a casa é quase uma mansão. Possui quatro quartos, uma cozinha e salas gigantes, cinco banheiros e um deck que dá para um jardim muito bem cuidado.

Jiang Cheng não sabe como acabou administrando um movimento pelo direito das crianças com deficiências ocultas e uma ong que ajuda pessoas trans, mas ele parece ser uma pessoa melhor do que realmente é. É frustrante ver as fotos de sua formatura e descobrir que nunca tentou ser um diplomata, apenas se casou e teve um filho.

Bem, ele se consola de ser uma pessoa decente e casado com alguém que é duas vezes mais rico que seu pai. Ao menos, é o que sua conta bancária diz.

Ele está na paz “meu grande amor” e há fotos recentes do menino fazendo muitas coisas. Ele checa o armazenamento e a pasta pesa 5GB, o que faz Jiang Cheng supor que ele se tornou a espécie coruja que tirou fotos do menino desde que ele estava no útero de alguém.

Afinal, olhando as fotos, ele consegue localizar os olhos de seu irmão, o seu próprio formato de rosto, cor de cabelo e nariz. Os lábios são de Lan Xichen. Isso o faz acreditar que não adotou essa criança por impulso, ele planejou a criança e arrumou alguém que desse luz ao menino.

─ Estamos em casa. ─ Lan Xichen - Jiang Cheng acha o nome de seu marido muito idiota, nossa - o beija na nuca exposta, a mão tocando seu quadril. ─ Se sente melhor?

Jiang Cheng trava a tela do celular, o enfia no bolso e tenta sorrir da melhor maneira que consegue. O sorriso que ele recebe de volta faz suas pernas enfraquecerem. Como é possível que alguém tenha feito um assalto em toda a beleza do mundo? O mais provável é que esse corpo esteja muito acostumado a ser comido, lambido e tocado pelo idiota engomado com cara de pai e esteja fazendo Jiang Cheng ter reagir demais.

─ Sim, me sinto melhor depois de duas garrafas d’água e um banho. ─ Ele tenta não tremer quando a lateral do seu pescoço é beijada e mãos pequenas mexem no seu cabelo, puxando. ─ Desculpe por ter gritado, acho que tive um pesadelo. ─ E também acha que é a porra de um pervertido por estar se arrepiando com um homem estranho na frente de sua criança.

─ Não é um problema, você sabe. ─ Lan Xichen se afasta, o suficiente para que Lan Jingyi seja obrigado a parar de puxar o cabelo de Jiang Cheng. ─ Não está mais bravo comigo sobre a situação de Meng Yao?

Jiang Cheng nem sabe quem é esse cara. Ele está com raiva apenas de si mesmo e do destino. Por isso, ele abana a cabeça e estende os braços para o menino que continua se esticando na sua direção.

─ Papai. ─ O menino choraminga, os olhinhos brilhando com pequenas lágrimas nos cantos quando ele é aninhando contra o peito e ombro de Jiang Cheng.

Ele é papai? Que estranho.

Um pouco gostoso também. Ele acha que é por causa do perfume da criança, mas não vai questionar muito.

Seguindo todas as fanfics que ele leu, ele deveria estar morto, mas não está. É uma pessoa relativamente decente e tem uma boa casa, não parece doente e nem cometeu nenhum crime.

Se ser pai e casado é o pior que essa vida pode oferecer, ele vai passar por ela com maior facilidade do que pela antiga.

**

SPOILER ALERT: não vai ser tão fácil assim passar por essa
vida quanto Jiang Cheng imagina que será.

Bela Adormecida, como você se tornou um pai?Onde histórias criam vida. Descubra agora