A Convenção Branca
Desta vez não tive paciência de esperar novo domingo. Havia um feriado no meio da semana e aproveitei-o para voar ao castelo antes do almoço. Delicioso almoço! Figurei-me durante ele já marido da gentil hospedeira e dono do castelo. Cheguei a olhar com olhos de proprietário através das vidraças, por onde se viam terras e mais terras ótimas para a cultura. Mas foi momentâneo o meu deslize. Do fundo d'alma eu só queria ser dono do coraçãozinho que palpitava no seio da castelã.
Tomamos café na varanda e em seguida miss Jane retomou o fio da historia.
— A elevação do índice eugênico-mental do povo da América no ano do choque das raças já era notabilíssima; o modo como agiu a Convenção Branca o demonstrou mais uma vez. Falar em convenção é lembrar a Convenção Francesa, aquele tumulto utópico que fez retorica ás toneladas e decepou cabeças aos montões, como se a produção de frases e a redução de vidas pudesse aumentar o trigo dos celeiros, causa real de todos os males da França.
A Convenção Branca de 2228 nem por sombras lembraria o redemoinho alto-falante de 1789.
Já na composição desse corpo representativo nada se fez como outrora. Os convencionais não penetraram nele pela força dos azares eleitorais e sim por um processo novo de delegação. Todos os ramos da atividade americana tinham á sua testa, naturalmente levados a esse posto pelo grau de eficiência mental demonstrado, homens que mereceriam o nome de chefes naturais, ou lideres natos. Como hoje é Henry Ford o líder nato da indústria americana em virtude da higidez universalmente reconhecida das suas ideias e realizações, assim naquele tempo cada ramo de atividade possuía um líder natural, mantido nessa situação por consenso unanime. Funcionavam tais chefes naturais como órgãos especialíssimos, ápices, vértices, cimos, estações centrais, bulbos raquidianos da classe. Ninguém lhes discutia as ideias de decisões, sumulas sempre da mais alta sabedoria possível no momento — e o chefe cujas ideias passavam a ser discutidas via-se logo automaticamente apeado dessa posição.
De modo que foi facílimo convocar a Convenção Branca. Além de já estarem naturalmente indicados, os convencionais se resumiam em seis criaturas, respetivamente lideres da indústria, do comercio, das finanças, da arte, das ciências e das letras. Eram eles os senhores George Abbot, morador em Detroit e chefe da indústria das bonecas falantes, o supremo encanto das crianças americanas; John Perkins, morador em Hudson, onde mantinha um pequeno comercio de peles de lontra branca; Harmsworth, diretor do Banco Universal; John Leland, criador da Puericultura Estética; John Dudley, pai da cor numero 8 e autor de 72 invenções; e finalmente Dorian Davis, poeta de um soneto único sobre o qual se achava a América dividida em dois imensos grupos — os que tinham como defeituoso o quarto verso e os que o tinham como uma forma de beleza só perceptível no futuro.
O Presidente Kerlog não encontrou dificuldades em reunir a Convenção. Radiou uma sucinta mensagem na qual pedia a cada uma das classes sociais a indicação do seu representante para o exame do impasse criado pela vitória dos negros. Uma hora depois o aparelho receptor do Capitólio registrava os seis nomes previstos, só não havendo unanimidade quanto á indicação do representante das letras. Os que consideravam defeituoso o quarto verso do soneto de Davis preferiram votar em branco.
Dois dias mais tarde congregavam-se na Casa Branca os seis expoentes supremos da raça, sob a presidência do senhor Kerlog.
Solenidade de protocolo, nenhuma. Eram homens simples no trajar e nos modos, criaturas nada relembrativas dos figurões que se reúnem hoje em conferencias internacionais, vestidos de soleníssimas sobrecasacas e com solenerrimos tubos de chaminé reluzentes nas cabeças, como se a plumagem dos perus influísse alguma coisa nas ideias dos perus.