CAPÍTULO XV

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Vésperas do Pleito

No próximo domingo voei mais cedo ao castelo, ansioso pela continuação das revelações de miss Jane.

Encontrei-a triste.

— Aconteceu-lhe alguma coisa? inquiri inquieto.

— Nada! respondeu-me num suspiro. Saudades de meu pai apenas. Estive ontem no cemitério e minha dor reavivou-se. Como ainda sinto pungente o desfalque sofrido pela sinfonia do universo com a perda de sua nota mais bela!...

A tristeza de minha amiga contagiou-me de tal modo que quando dei por mim uma lagrima me descia pelo rosto.

Miss Jane, comovida, apertou-me a mão. Irmanávamo-nos dia a dia, á medida que as nossas afinidades se iam revelando. Afinidades mentais e de sentimento. Apesar da aparente divergência das nossas ideias, eu sentia que no fundo pensávamos da mesma forma. Quem ali nos visse a conversar da vida futura, juraria sermos amigos velhos ou parentes muito próximos — e outra não era a minha impressão. Parecia-me conhecê-la de séculos, e nunca ter convivido com outra pessoa. A menor sombra que passasse pela sua alma logo se refletia na minha. Suas alegrias eram as minhas e minhas as suas tristezas.

Como me punha feliz aquela doce convivência...

Mas a nuvem passou afinal e pude vê-la de novo entregue aos acontecimentos do ano 2228.

— Na véspera da 88.a eleição presidencial, prosseguiu miss Jane, o país apresentava o grave aspecto desses instantes de imobilidade precursores de tormenta. Como que a armazenar forças para uma explosão trágica, todos os homens permaneciam silenciosos, num estado de repouso muito semelhante a cansaço por antecipação. Só nos arraiais femininos era intenso o reboliço. Estavam as sabinas seguras da vitória e lá com as diretoras do movimento já repartiam os despojos da batalha.

Devo dizer que a presidência de uma elvinista não inquietava grandemente os homens de espirito filosófico Sabiam muito bem como o poder modifica as ideias dos que lhes galgam as cumeadas. E havia até curiosidade pela vitória sabina por parte dos homens de temperamento artístico — dos que só encaram o mundo através de prismas estéticos Já a massa masculina enxergava na vitória de miss Astor o fim do tradicional predomínio do homem na terra.

— Eram ainda as eleições ao nosso sistema de hoje?

— As eleições do século 23 em nada lembravam as de hoje, consistentes na reunião dos votantes em pontos prefixados e no registro dos votos. Tudo mudara. Os eleitores não saíam de casa — radiavam simplesmente os seus votos com destino á estação central receptora de Washington. Um aparelho engenhosíssimo os recebia e apurava automática e instantaneamente, imprimindo os totais definitivos na fachada do Capitólio.

De ha muito se havia eliminado as hipóteses de fraude, não só porque a seleção elevara fortemente o nível moral do povo, como ainda porque a mecanização dos tramites entregava todo o processo eleitoral ás ondas hertzianas e á eletricidade, elementos estranhos á política e da mais perfeita incorruptibilidade.

Mas só os habitantes de Washington gozavam do privilegio de ler no Capitólio os números decisivos. O resto da população americana também os lia e na mesma hora, mas em suas próprias casas.

Certo que estava da vitória, o partido feminino delirava no antegozo de um prazer inédito: bater o macho em seu reduto supremo — a Presidência da Republica!

Na antevéspera das eleições miss Elvin organizou em Washington uma passeata memorável.

— Ainda havia disso? perguntei.

— Já não havia disso, respondeu miss Jane. Miss Elvin apenas ressuscitou a velha praxe a titulo de curiosidade estética. Como vemos hoje exposições de arte retrospectiva, teve ela a ideia de organizar coisa semelhante — uma passeata á nossa moda, com discursos em rançoso estilo retorico, nos quais se expusessem á luz do dia caducas imagens ha muito aposentadas. Reuniu um lote de dez mil correligionárias para um desfile diante do Capitólio Cada qual traria uma bandeirola ou cartaz onde se caricaturassem de maneira cruel os homens ou se inscrevessem legendas insultantes — Abaixo o macaco glabro! Morram os raptores! Viva o sabino! Basta de gorilas evoluídos!

O Presidente Negro (1926)Onde histórias criam vida. Descubra agora