I

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— Malditos Collalto!

— Vô — repreendeu minha prima Ana Clara.

Ele levantou o cinto para minha mãe. Mas fora só uma ameaça.

— Isso tudo é culpa sua! — Disse ele à minha mãe com o braço levantado em seguida desistiu.

Julia, minha prima, se aproximou de mim correndo.

— Vem, levanta — sussurrou ela — Eu sinto muito eu não sabia disso tudo.

Me levantei limpando a lagrima e certamente sujando o rosto com o sangue da mão machucada. Dei meia volta. Eu havia encerrado meu showzinho de surto. Eu estava envergonhado, por ter explodido, envergonhado por ter feito tudo aquilo.

— Você precisa de um banho e tente descansar — Júlia me acompanhou até a porta do meu quarto

Entrei meu quarto eu precisava trocar de roupa, precisava tirar aquela roupa úmida e com cheiro de água salobra e peixe. Queria sair o mais rápido, ainda sim não tive tempo de cuidar dos meus machucados. Tamanha tolice socar o vidro, e pior balançar uma cristaleira com copos e taças finas de mais que caíram em mim. Agora varias partes do meu copo e do meu braço queimavam como se eu tivesse entrado em um arbusto espinhoso.
Tomei um banho as pressas.

Por vergonha não me retirei do meu quarto pela porta normalmente. Havia um silêncio interior e cochichos pela casa, como se uma paz curiosa se instalasse pós caos. Abri a janela do quarto e pulei a mesma descendo pelo telhado cuidadosamente, mas acabei por escorregar e ralar ainda mais o braço ferido. O sol começava a querer sumir no horizonte, aquele dia estava meio frio, e eu não podia voltar para pegar um agasalho.

Estalei a boca subindo em Davi rapidamente, o manchando de sangue sem a cela. Não queria ser visto, não queria ser pego, eu queria sumir e ir pensar. Sai rapidamente com Davi eu queria um pouco de paz. Primeiro me afastei ao longe da fazenda Durand, depois me senti perdido. Tão perdido. Segui até a cachoeira, eu queria ouvir o som da água e eu queria apenas sentar e chorar escutando a natureza, eu queria algo que me tranquilizasse.

Desci de Davi, mais perdido de que quando subi nele, segurei meu braço ainda ensanguentado e agora meu ombro ralado. Eu não tive tempo de fazer um curativo e havia dois grandes cortes e diversos outros cortes finos. Eu parecia ter enfiado meu braço num funil de serras, havia esquecido como a pele era fina, olhei para os cortes choroso me ajoelhando perante as margens da água para lavar o braço que insistia em sangrar.

— Meu Deus, o que aconteceu com você? — disse a voz grossa de Eron.

Eron estava sentado em uma rocha de frente para água. Só então me dei conta de sua presença e de sua égua que comia maçãs picadas ao seu lado que ele cortava com faca. Eu o olhei confuso e também irritado.

— Desculpa eu não sabia que você estava aqui. — Digo me levantando.

Ele se levantou rápido. Por um momento parecia assustado, talvez estava com medo da minha presença, quando ergui meu olhar para ele, Eron se desmanchou. Ele viu que eu não estava pronto para uma nova briga, viu o quão eu estava vulnerável, e ele era o homem armado aqui.
Notei que ele deu alguns passos para trás em seus sustos e depois avançou mais uns cinco passos.

— O que houve com seu braço? — ele falou se aproximando ainda mais e guardou a navalha que suava no bolso após dobra-la — Brigou com uma onça foi?

Fiquei em silêncio Ele se aproximou mais, tomou meu braço para si cuidadosamente, observou os cortes.

—Tem caco de vidro aqui olha — ele disse puxando do rasgo no meu antebraço.

O sangue escorreu ainda mais. Ele virou meu braço analisando. Não era um caco de vidro grande apenas um pequeno estilhaço.
Nos olhamos nos olhos. Em um tremendo silêncio onde só a água fazia barulho e a mata em nossa volta se fazia presente com o som de sapos e grilos que ecoavam na mente.

Seus olhos eram como aquelas águas. Eram verdes amarronzados e brilhosos, e parte de mim encontrou a calmaria que estava procurando, não estava no local em si, estava em sua presença. Ambos olhares vazios e murchos, eu e ele sabíamos o que estávamos procurando. E por mais que eu tivesse falho ele também estava sábio que de fato eu não havia feito por mal.

No fundo, havia uma questão inquieta entre nós. Em um mês viramos amigos, mas não amigos inseparáveis, nem melhores amigos. Mas amigos. Quando eu o via e o encontrava ele parecia brilhar como da primeira vez, seu sorriso se esplandecia e acontecia com mais frequência. Era como se a companhia fosse tão boa e tão importante mesmo sabendo que o via há longas semanas ou em um mês e meio de uma amizade estranha, onde eu não o conhecia e nem ele me conhecia, mas ao mesmo tempo nos conhecíamos o suficiente.
Era como se tivéssemos uma boa conexão.

Em meio aqueles devaneios inquestionáveis de como nos tornamos amigos desconjuntados, e de como estávamos conectados fui de encontro aos seus lábios. Dessa vez ele poderia dizer que eu o beijei, mas também não podia negar que ele mesmo queria aquele beijo. E ele até podia tentar não corresponder, mas isso foi só nos primeiros segundos em que meus lábios tocaram o seu, em seguida ele me abraçou, me puxou para perto, correspondeu o beijo, correspondeu ao carinho, me deu uma sequência de selinhos, parecia estar tentando descobrir algo, e meio a isso mais beijos demorados.

Seu medo parecia ter se esvaído, assim como o meu medo, que também havia se dissipado. Eu não tinha mais nenhum tipo de medo por Eron. E ele também não tinha, não tinha medo de mim, mesmo depois de toda a enganação que eu fizera.

Após o beijo encostei minha cabeça em seu ombro, em seu pescoço e não o abracei, mas senti o braço dele dar voltas em meu corpo e colar meu copo no seu. Senti meu rosto queimar eu não queria chorar, e queria chorar.

— Você estava certo Eron. — Falei baixinho. — Eles mentiram para mim. Me obrigaram a ir morar com meu tio na cidade grande... É o Tino não é? Meu pai. Preciso conhecer ele.

— Ele é o meu tio. Mas eu não posso fazer isso... Não posso te levar até ele.

Eu não conhecia a família Collalto, eu podia saber os nomes, mas eu não sabia de quem eram de rostos. Não me lembro de suas aparências, eu não sabia quem era de fato Eron até reconhece-lo por simples detalhes de sua afeição ou uma cicatriz. Não me lembro de Tino, creio que nunca o vi.

— Eron eu preciso de mais respostas.

— Mas não posso levar ocê até Tino, entendeu? — ele deu uma pausa — Ou... Eu não sei. Mas sim, é o Tino.

O Garoto de Lugar NenhumOnde histórias criam vida. Descubra agora