III. Évasion

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Olhando pela janela aberta do quarto, Alya se lembrou da primeira vez que viu uma apresentação de balé.

A sensação de ver as bailarinas no palco ainda lhe trazia a euforia familiar que aprendera a guardar dentro de uma caixinha durante todos esses anos. As lembranças continuavam lhe parecendo tão palpáveis que poderia ter certeza de que as imagens que tinha daquela noite eram muito mais do que nítidas. Era um retorno ao tempo, uma ode. Uma tentativa de resgatar o olhar da menina de sete anos que um dia teve.

Naquela tarde, no entanto, em seus dezessete anos e vestindo a melhor versão de sua total indiferença, ela olhava para o céu nublado e dava o seu melhor para esquecer de que faltavam dois dias para prestar a prova para o vestibular. Olhava para as nuvens assumindo um tom acinzentado tentando pensar em qualquer coisa que não fosse na última conversa com seus pais.

Havia mais algum deus ao qual pudesse recorrer? Tinha certeza de que rezara para todos dos quais conseguia lembrar. Então o que mais precisava fazer para que suas preces fossem atendidas?

— Não sei por que insiste em me chamar pra vir aqui se no final vai ficar perdida em si mesma.

Não escondeu o olhar ameaçador que lançou ao menino. Sentado na beirada da cama, ele a analisava com aquele típico sorriso matreiro.

— É solitário demais se perder sozinha — constatou ela. — Além disso, você não tem muito pra onde ir. Ou vai me dizer que sua mãe já não está mais na sua cola?

Ele soltou um suspiro. O olhar indecifrável, os ombros caídos como se tivessem acabado de aguentar o peso do mundo inteiro.

— Como se a sua gostasse muito da ideia de me ter por aqui depois daquele dia.

— Eu disse que era uma péssima ideia fumar e trazer vinho com ela aqui. — Ela deu de ombros. — São poucas as vezes que ela fica sabendo de você, na verdade. E nem precisa saber. Vai passar a tarde toda fora de casa, como sempre, pensando em alguma programação tediosa pra "unir a família" enquanto enche a cara em algum barzinho por aí.

— E seu pai, suponho, vai chegar tarde pra se divertir naqueles joguinhos de aposta dele.

— Exato. Talvez até mais tarde do previsto, dependendo das outras diversões que ele encontrar.

O garoto balançou a cabeça.

— Sinceramente, não sei como ele ainda não foi à falência.

— São as vantagens de ser um homem de contatos. Sempre vai conseguir pessoas caridosas o suficiente para emprestar dinheiro.

— Fico impressionado como você lida com tudo isso como se não desse a mínima.

— E o que você espera que eu faça, Henrique? Comece uma campanha pela criminalização desse tipo de coisa?

— Eles estão cavando o buraco da própria cova e vão acabar levando você junto.

Ela conteve a risada seca.

— Sou só alguém que aconteceu de estar no meio dessa bagunça toda, mesmo não sendo de uma maneira tão direta assim. Ou devo ser algum tipo de heroína que ainda não descobriu o próprio poder, algo assim. — Suspirou, exasperada. — Enfim, vou só esperar a bomba toda explodir e ver no que vai dar.

Não tinha certeza se ele havia dito algo a mais, pois quando se afastou da janela e deitou-se no espaço vago da cama, sua mente havia a levado para outro lugar novamente, mas não para onde queria. As vozes de seus pais ecoavam dentro de si como uma sinfonia desordenada de uma orquestra sem maestro.

Ainda não consegue imaginar como gostaria de estar daqui a dez anos? Já tem idade o suficiente para saber o que quer.

Era o que temia. Mas não se preocupe, sabemos muito bem o que é melhor pra você. Sabe disso, certo?

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