Suas mãos tremiam, embora estivessem suadas. Não era por conta do frio que fazia do lado de fora, mas sim devido ao nervosismo do que a aguardava naquele palanque de madeira. Todo o seu esforço, toda o trabalho da sua vida, tudo que tinha se esforçado tanto para conquistar... Já não valia de nada.
Um guarda a escoltou até o palanque, cada passo parecendo afundar seus pés na neve fofa que cobria o chão. Os degraus não eram estáveis, e fizeram com que ela quase tropeçasse. Na sua frente, uma pequena multidão, por volta de trinta pessoas, a encarava com seus olhares julgadores. Nunca saberiam o que realmente havia acontecido, apenas se contentariam com a versão oficial da verdade. Era algo que ela jamais se conformaria. Sua pequena touca de linho cobria o que restava dos seus cabelos depois que os mesmos haviam sido cortados no dia anterior.
- Margery Smythe, tu jás em frente a esta multidão e a Deus para pagar pelos vossos crimes contra a vossa majestade, o rei da Inglaterra. A vossa sentença, conforme determinado pelo próprio rei, é pagar com a própria vida. Tu possuis algumas últimas palavras?
Ela respirou fundo, pensando no que dizer. Poderia se estender em mil palavras e tentar mais uma vez provar a sua inocência, mas isso seria inútil. Era uma mulher condenada.
- Não tenho nada a declarar, apenas um pedido a fazer - a menina começou. - Por favor, acabe com isso em um único golpe.
Ela se ajoelhou em frente a pedra de execução encharcada pelo sangue das vítimas anteriores, pensando que em alguns segundos ali estaria o seu. Olhou para o céu nublado e pensou em como desejava ver a primavera chegar. O carrasco, então, empurrou sua cabeça para que ficasse próxima à pedra. Não quis chorar, mas foi inevitável. Que pessoa fica tranquila mediante a morte? Ela pôde ver que o carrasco teve pena das suas lágrimas, mas não podia evitar que sua execução ocorresse, afinal, era uma ordem do rei.
Respirou fundo no que seria seu último suspiro e o carrasco a golpeou com o machado, pondo um fim a sua vida.
1945
Victoria acordou aos berros e com as duas mãos no pescoço, como se quisesse mantê-lo no lugar. O sonho havia sido um pouco real demais para o seu gosto, lembrando-a de tempos que ela queria esquecer. Tentou se acalmar focando no que se encontrava ao seu redor, mas a visão diária de seu quarto definitivamente não a agradava. Havia todo um planejamento por trás do quarto de Victoria, que fora reforçado com isolamento acústico devido às noites em que ela passava gritando por conta dos pesadelos que tinha constantemente. Suas cortinas eram revestidas para que nenhuma luz a incomodasse demais durante o dia, caso quisesse dormir. A abundância de travesseiros na cama de casal servia para suprir a solidão de estar totalmente sozinha em uma vida que tinha se tornado infeliz e desgostosa. Victoria se levantou e foi direto até seu banheiro, jogando água fria em seu rosto para livrar-se dos resquícios do pesadelo. Calafrios tomaram seu corpo ao lembrar-se da sensação de ter sua cabeça separada de seu corpo.
Ouviu batidas na porta do quarto e dirigiu-se a mesma.- Quem é?
- Bom dia, senhora Victoria. Quem fala é Georgiana, a empregada. Estou passando apenas para lhe avisar que o café da manhã está servido.
- Muito obrigada, Georgiana. Eu já vou descer.
Ela detestava as refeições, mas comparecia de qualquer forma às confraternizações sociais da casa, embora todas terminassem em alfinetadas e brigas desnecessárias. Definitivamente sentia falta da sua vida em Willowtree Hall, com as pessoas que amava, onde viveu os melhores anos de sua vida e de onde nunca desejava ter saído.
Infelizmente, a sua vida tinha mudado muito desde que havia se casado com Nicholas Kingsley.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Visões Etéreas
Romance"E assim prosseguimos, botes contra a corrente, impelidos incessantemente para o passado." - F. Scott Fitzgerald, O Grande Gatsby. Victoria viveu na miséria dos becos de Londres até ser adotada por uma poderosa e rica família, que não lhe doou apena...