Eu me sentia presa num looping de marasmo. A sensação de vazio era tão forte que até juntava duas palavras que nunca deviam estar unidas. Mas ela me fazia viver num ciclo que não tinha começo e nem fim, simplesmente estava ali me rondando e rondando.
Mais de um ano havia se passado desde o meu último ponto final e meu cérebro se recusava a pensar em qualquer coisa relacionada àquilo. Eu olhava para a tela em branco e ela me encarava de volta sem nem uma ameaça ou gatilho. O tempo foi cada vez mais me cobrindo e tampando primeiro minhas mãos, impedindo-as de digitar novas palavras, depois os meus olhos de ler minhas ideias e, por fim, o meu cérebro de resgatar minha memória.
Eu me levantava do reino de sonhos e me vestia de frustração para um novo dia sem produzir. A inércia me dava a mão e me guiava entre trabalho e refeições e depois me levava direto ao mundo da magia, que logo era quebrado ao início de mais um novo ciclo.
Pelo menos, podia dizer que a rotina me viciou e me tirou a dor que eu sentia e então eu me acomodei. Que incrível viver uma vida em que não sentia angústia! Eu podia respirar em paz e viver bem de mãos dadas com o torpor, deixando o tempo me cobrir todinha até me deixar padecer... Mas justamente a falta de dor também me tirava a alegria. Sem um, o outro deixava de ser sentido e então... não existia mais.
Sem querer, eu percebi que a ausência de dor é o que me fez parar de sentir.
Eu não estava perdida, não ainda.
Me enchi de esperança e rasguei o cobertor pesado que me cegava e abri arquivo atrás de arquivo. Tantos sentimentos e alegrias aprisionados em personagens que perderam a fala e o movimento no fundo da minha alma e dos meus documentos.
Eu li, vivi e senti. Aquilo tudo me fazia tão bem e me deixava com vontade de mais e mais até chegar ao ponto final, que originou tudo aquilo.
O medo começou a se espreitar e, com ele, eu sabia que o marasmo e a inércia vinham logo atrás. Pois eu olhei para a minha tela e me desesperei para saber o que os meus personagens fariam a seguir, antes de ser coberta de novo...
Eu precisava que eles se mexessem, que se levantassem da cama, que brigassem ou fizessem amor. Bastava um travessão e uma frase.
- Você não está sozinha.
- Eu sei, posso contar sempre com você?
- Para todo o sempre, eu sou todo seu.
Sem querer, eu voltei a escrever. Uma declaração do mocinho para a mocinha ou do meu livro para mim mesma, como preferir.
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Os Mini Contos que você sempre quis ler
Short StoryCriaturas fantásticas estão entre nós! Monstros, bruxas, vampiros, fadas, unicórnios... Todos estão à espreita! Você está preparado para encontrá-los? Aqui estão reunidos os mini contos fantásticos de minha autoria que você, seus amigos, sua família...