Capítulo 7

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Voltei!

 
Divirtam-se!
 
 
Kara acordou sem saber que horas eram. Mas estava evidente que era de manhã, a luz do sol transpassava a janela e brilhava intensamente. Mais uma vez havia esquecido de fechar as cortinas e se xingou por isso, pois queria ter aproveitado mais o fato de ter dormido abraçada a Lena.
 
Do mesmo jeito que a morena se enroscou nela quando voltaram da despedida, deitando seu braço esquerdo e a abraçando pela cintura, se encontravam desse mesmo jeito. Lena a segurava como se não quisesse que ela escapasse durante a noite — e não queria mesmo.
 
Vê-la com o semblante relaxado e aproveitando o sono, Kara se lembrou das coisas que ela havia dito e sorriu um pouco triste. Quais eram as chances do que ela disse ser verdade? Quais eram as chances dela se lembrar daquelas palavras quando acordasse? Em sua mente, eram praticamente nulas.
 
Para o seu desespero, gostava tanto de Lena. Gostava do jeito que ela mexia no cabelo e ficava nervosa com facilidade. Gostava como ela tinha uma boa relação com a mãe que, tecnicamente, era madrasta. Gostava quando ela perdia a linha com Sam e Andrea e fingia que não estava brava. Mas gostava muito mais quando Lena a olhava e a ouvia o que tinha dizer. Como uma boa pessoa apaixonada gostava tudo nela.
 
No entanto, o que tinha a oferecer à Lena? O que tinha para chamar a sua atenção? O que tinha de extraordinário para Lena ficar com ela e não voltar com ex? Nada. Não tinha nada, assim pensava.
 
O dinheiro que ganhava lhe dava uma vida confortável, conseguia se manter estável e não passava perrengues. Quando começou a trabalhar como acompanhante só queria o dinheiro rápido para as contas, não podia deixar sua mãe perder a casa e ficar sem o tratamento adequado. Depois que ela morreu, continuou trabalhando para quitar todas as dívidas. Claro que Alex ajudava, mas não ganhava muito trabalhando como garçonete.
 
Quando conseguiu quitar as contas, continuou trabalhando para conseguir abrir o próprio negócio. Há dois anos vinha juntando dinheiro para conseguir abrir um restaurante onde ela e a irmã poderiam trabalhar juntas. Alex também juntava uma grana, mas em quantidade muito menor. Com o dinheiro que receberia de Lena ao final de toda mentira, já poderia ir correr atrás do seu sonho e deixar de ser acompanhante de luxo. Só que vinha se sentindo tentada a devolver o que já tinha recebido e esquecer dela para não ter que lidar com a dor de um amor não correspondido.
 
Desde que entrou nessa vida, sempre pensou que no dia em que a deixasse, teria seu restaurante, encontraria alguém legal e formaria uma família. Era só isso que queria, não precisava de nada mais a não ser viver sossegadamente. E então Lena chegou e já até imaginou essas coisas ao lado dela.
 
Agora, tinha dormindo em seus braços uma mulher que apareceu de repente e que seria capaz de fazer tudo por ela. Mas eram de mundos tão diferentes e sabia que Lena podia ter quem quisesse, o que quisesse, na hora que quisesse. Porque Lena olharia justamente para ela? E se olhasse, quem podia garantir que não seria uma conquista barata? Não queria julgá-la, porém não tinha como não pensar em tudo isso.
 
Uma CEO, herdeira de império e uma prostituta. Onde isso chegaria a algum lugar?
 
Talvez o melhor mesmo fosse agradecer a hospitalidade dos Luthors e voltar para National City. Sabia que quando voltasse para casa Lena não a procuraria mais e seria melhor assim. Cada uma vivendo em seu lado do muro em que o mundo era dividido. O melhor a se fazer era não ultrapassar.
 
Dando um olhada em Lena, passou a mão delicadamente em seu rosto e suspirou. Não queria deixá-la, mas não via muita solução para o seu caso.
 
Tentando se desvencilhar da morena, a sentiu a apertar mais contra si. Deveria ter saído dali antes, assim evitaria uma situação estranha. Não sabia como Lena poderia reagir as encontrando abraçada, ela podia não se lembrar de nada da noite anterior e achar que Kara estava se aproveitando dela. Só que não parecia que essas suposições estavam corretas.
 
— Onde pensa que vai? — sua voz era sonolenta e baixa.
 
— Me levantar.
 
— Não — deitou mais sobre seu peito. — Quero você comigo.
 
Não precisava de muito para Lena a convencer de qualquer coisa, era só fazer como ela vinha fazendo. Era só pedir.
 
Com o coração acelerado, Kara a envolveu em seus braços apoiando o queixo sobre o topo de sua cabeça. Se pudesse escolher, escolheria ter uma vida onde todas manhãs elas estivessem assim.
 
— Você acredita em mim? Acredita no que te falei ontem?
 
— O que você falou ontem?
 
Estava óbvio sobre o que Lena estava se referindo, mas Kara queria ouvir da boca dela, ela estando sóbria. Ainda assim, seria difícil de acreditar.
 
— Que eu gosto de você. Que quero ficar com você. Que quero que você me beije — levantou um pouco a cabeça para olhá-la. — Que eu quero você.
 
— Então você lembra.
 
— Não lembro de tudo da noite passada, mas não conseguiria esquecer você me rejeitando — levou uma das mãos até seu rosto. — Também não tem como esquecer que gosto muito de você. Eu bebi, eu dormi, eu acordei e meu coração ainda está batendo forte por estar te vendo. Ele fica assim desde a primeira que te vi.
 
— Eu não podia fazer nada com você naquele estado. Nem sabia que você iria lembrar dessas coisas. Eu só quis cuidar de você para você ficar bem. Você está bem?
 
— Só com um pouco de dor de cabeça — sorriu fraco —, mas não é sobre a minha dor de cabeça que quero falar agora — respirou fundo. — Eu tenho tentado criar coragem para te dizer tudo isso o que acabei de dizer. Bebi pra ver se essa coragem vinha, só que exagerei um pouco demais. Eu quero ficar com você, Kara, você quer o mesmo que eu?
 
Era difícil acreditar Lena estava realmente fazendo aquela pergunta. Kara chegou até achar que tinha voltado a dormir e estava sonhando que Lena dizia a ela que a queria, mas a mão que acariciava seu rosto e deixava um sensação de formigamento e quentura no lugar dizia que era tudo real. Em nenhum sonho conseguiria sentir o que era estar próxima de Lena estando acordada.
 
A queria muito. Queria ter tudo ao lado dela. Só que havia medo em querer tanto e estar próxima tê-la. O melhor que tinha a fazer era expor esses medos. O sentimento pode ser forte, mas ele não sustenta tudo. Lena tinha que entender que eram de realidades muito diferentes e que não queria se magoar por sentir tanto.
 
— Lena... eu... não tenho nada a te oferecer. Sou uma fodida na vida. E não quero ser um passatempo para uma mulher rica. Não quero ser uma boneca na mão de uma garota mimada. Embora esse seja meu trabalho, não é assim que quero viver a vida toda — apertou os lábios ainda olhando nos olhos de Lena. — Eu não sou sua ex. Não sou rica, não sou influente, não tenho um sobrenome reconhecido e nem herança pra receber. Eu sou o que te contei e o que você tem visto.
 
— Eu sei que você não é a Helena, gosto de você exatamente por não ser como ela. Eu não brincaria com você, Kara. A última coisa que eu quero é te usar. Quero que o que começou com uma mentira seja real. Você é a coisa mais real que já me aconteceu.
 
— Lena...
 
— Você chegou rindo da minha cara, com todo seu charme e também timidez, e fez algo se acender em mim — passou contornar cada parte do rosto da loira com o indicador a vendo fechar os olhos com toque. — Eu estava triste, achando que tinha algo errado comigo e que não merecia ser amada. Aí você me chamou de docinho e ali eu me derreti um pouquinho por você.
 
Falar sobre o apelido fez Kara sorrir e Lena sorriu também. Não sabia de onde tinha tirado coragem para falar tudo aquilo. Estava nervosa, sentia a carne do corpo tremer, o coração quase escapar pela boca, a cabeça latejar pela ressaca e seu corpo reagir como reagia quando estava perto da loira. Como não iria querer estar com alguém que dava um sentido novo para sua vida?
 
Uma semana atrás, estava se martirizado e disposta a ter a ex de volta. Uma ex que — hoje percebia — não se importou em ser verdadeira com ela, só terminou tudo e foi viver a vida dela. E Kara, sendo apenas Kara, chegou como um vendaval revirando tudo dentro de si e reafirmando que ela merecia mais. Isso foi dito com tanta verdade e ternura, que Lena agora acreditava nisso.
 
Kara era a sua conexão imediata. Não iria perder isso. Não precisou mudar nada em si para se dar bem com ela e, inconscientemente, tinha dado a ela a chance que em dois anos não deu a ninguém. Ela era a pessoa que valia a pena amar, pois sabia que seria amada de volta na mesma intensidade.
 
— Você é um doce de pessoa e só merece o melhor, mas não significa que eu serei o melhor pra você.
 
— Eu não perguntei isso. Eu perguntei se você também quer ficar comigo. Se você me disser sim, nada mais me importa.
 
Voltando a abrir os olhos, Kara se deparou com duas esmeraldas cheias de expectativas esperando uma resposta. Por alguns segundos apenas a ficou olhando, sabia que estava com um sorriso no rosto e ele estava ali por tudo o que ouviu Lena. Estava com medo de acreditar naquilo tudo, mas não dava para não acreditar. Era isso queria. Era Lena que queria.
 
— Responde, Kara. Você sabe que sou ansiosa — se sentou na cama já agitada ouvindo Kara gargalhar. — Para de rir de mim e me responde. Eu nem sei de onde tirei coragem pra te falar tudo isso, então seja boazinha e me responda.
 
— Tudo o que você quiser, docinho — também se sentou na cama. — Eu quero com você tudo o que você quiser comigo.
 
Assim como no dia do jogo de basquete que pulou em Kara a abraçando, Lena fez a mesma coisa as fazendo cair de volta na cama. Sentindo o coração acelerar, Kara a  apertou forte desejando nunca soltá-la.
 
— Hoje vamos jantar fora — Lena comentou aproveitando o abraço.
 
— Tipo um encontro? — perguntou curiosa enquanto mexia nos fios negros esparramados por todos os lados.
 
— É um encontro. E não tem nada a ver com o que meu pai vai pagar. Esse sou eu te lavando pra jantar.
 
O dia passou devagar e Lena adiou qualquer contato com alguém que não fosse Kara. Passou o dia com ela na biblioteca mostrando todos os livros que mais gostava quando criança.
 
Depois, ficaram no sofá aproveitando a companhia uma da outra. Enquanto Lena lia algum trecho de um livro qualquer, Kara estava com a cabeça em seu colo a sentindo mexer em seus cabelos.
 
Mais tarde quando foram se trocar para sair, ainda que se sentisse nervosa, Lena não desviou o seu olhar da loira que andava de um lado para o outro em peças íntimas decidindo o que vestir. Várias coisas passavam pela sua cabeça e, em todas elas, Kara terminava nua na sua cama. Uma das coisas que mais queria era ter aquela perdição de mulher.
 
— Lena? — passou a mão na frente de seus olhos. — Lena? Está tudo bem?
 
— Hum?
 
— Estou há algum tempo te chamando, mas você parecia estar no mundo da lua.
 
— Eu estava — deu um sorriso simples se aproximando da loira. — Está maravilhosa — disse quando reparou que Kara estava pronta.
 
— Não se apega demais, ein.
 
— Eu já me apaguei demais. Não deu pra resistir — deu ombros. — Podemos ir?
 
— Podemos.
 
O jantar foi o mais agradável possível. Comeram, beberam um bom vinho, se olhavam se admirando, conversaram sobre muitas coisas e riram.
 
Ainda que não tivessem dizendo isso em voz alta, elas tinham a mesma sensação em relação àquilo que estava acontecendo. Estavam felizes e desejavam poder repetir mais vezes. Se sentiam confortáveis juntas e isso era algo novo para elas.
 
Toda vez que via Kara sorrindo, Lena se sentia aliviada por ter conseguido dizer a ela o que queria. Não foi fácil se abrir e muito menos deixar seu coração falar mais alto, não costumava a ser tão movida pela emoção. Mas sabia que foi o certo porque seu peito estava cheio de alegria. Por muito tempo ficou triste, com Kara não estava mais.
 
Ter um encontro com alguém era novidade para Kara. Há muito tempo só saia com seus clientes, mas agora estava em um encontro real Lena Luthor. Sempre que seus olhos caiam sobre a morena era inevitável não sorrir. Estava até parecendo que depois de ficar muitos anos sobre um mar agitado as coisas estavam começando a se acalmar e se acalmou porque encontrou Lena.
 
Medos e inseguranças iriam rodeá-las uma vez ou outra. Cada uma, de uma maneira, tinha enfrentando alguma coisa diferente em relação ao amor, ou até a falta. Estavam nutrindo uma paixão forte e desejavam internamente que pudessem aprender juntas como amar. Podiam fazer isso se se dedicassem e, até então, queriam se dedicar.
 
O caminho de volta a mansão foi feito tranquilamente. Desde que entraram no carro, Kara abraçou Lena de lado e permaneceu assim até que o motorista parou em frente a mansão. Ao entrarem, tudo estava quieto, mas não se importaram em saber onde todos estavam e foram direto para o quarto.
 
— Gostou do jantar? — Lena perguntou assim que entraram.
 
— Eu adorei — deu um beijo em seu rosto. — Comida boa e uma boa companhia, é a melhor coisa que tem.
 
— Você tem sido minha melhor companhia — a abraçou por trás apoiando a cabeça em suas costas. — Quis dar a você o melhor.
 
— Podíamos ficar aqui sem fazer nada e, ainda assim, eu iria adorar.
 
Elas ficaram abraçadas por alguns instantes aproveitando o silêncio. Deixando um beijo no ombro de Kara, Lena foi colocar uma roupa mais confortável para dormir. A loira a acompanhou com o olhar suspirando de maneira apaixonada.
 
Se deitando na cama após tirar sua roupa, Kara pegou o livro que tinha levado para a viagem para ler um pouco. Não demorou muito, Lena apareceu fazendo a sua atenção se voltar para ela.
 
A morena estava usando uma camisola preta de seda e curta. Como na noite anterior, se aninhou ao corpo de Kara, mas ficou insatisfeita quando ela voltou a ler seu livro.
 
Na verdade, Kara não estava dando a mínima para o livro, apenas estava tentando disfarçar o súbito nervosismo que sentiu ao ver Lena daquele jeito. E para seu desespero, Lena começou a passar as pontas dos dedos levemente por abdômen a fazendo não focar em mais nada.
 
— Eu tenho cócegas — riu colocando o livro e o óculos na escrivaninha. — Isso é para ter minha atenção? — se deitou na cama se virando de frente para Lena.
 
— É, e deu certo.
 
O jeito que Lena olhava para Kara, era do mesmo jeito que a olhou na biblioteca, mas foi atrapalhada por Sam e Andrea. Ainda não entendia porque elas simplesmente não foram para o quarto, ao invés de usarem aquele espaço como motel. Mas não era nelas que queria pensar, só queria continuar admirando Kara.

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