Confissões da madrugada

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        Passaram-se dois meses desde o dia em que Levi escolheu seu time e a próxima expedição para fora das muralhas já se aproximava. Nesse tempo, ele pode perceber o quanto eles evoluíram e o quanto foi acertada sua decisão. Apesar da distância pessoal que Levi impunha a eles, dava para notar o quanto eles o admiravam e respeitavam e o quanto nesse tempo, já haviam construído laços uns com os outros.

       Após um longo dia de faxina pelo quartel do reconhecimento, exercício de criar caráter preferido do capitão, ele finalmente os dispensou para se limparem e ir dormir. Petra esperou todos se afastarem e tomou seu banho de balde no poço comunitário, antes de se dirigir ao alojamento para repousar. No dia seguinte seria sua primeira expedição, motivo pelo qual se revirava na cama sem conseguir dormir. Após muitas tentativas falhas de pegar no sono, ela finalmente desistiu e se esgueirou pelo dormitório em silêncio para não acordar suas companheiras. Como já era de madrugada, nem ao menos se preocupou em trocar de roupa e foi sorrateiramente até a cozinha do prédio principal, onde fez um chá para ver se acalmava seus pensamentos.

       Quando já estava pronta para voltar ao dormitório com sua xícara, ela percebeu uma escada para o terraço, lugar no qual nunca havia pisado antes. Aquele seria um bom lugar para acalmar a mente, pensou, antes de subir de fininho. Quando chegou ao topo ficou maravilhada com o brilho forte das estrelas, que por um momento fizeram com que ela esquecesse todas as preocupações. Em meio a seu torpor, uma voz a assustou quebrando os devaneios.

 
- O que você está fazendo aqui? - perguntou o capitão, que se encontrava sentado em um dos muros. Recuperando-se do susto e corando de vergonha por ter sido pega aonde não devia, ela respondeu.
- Não estava conseguindo dormir, pensei em vir aqui espairecer... Posso me sentar? - perguntou se sentando na mureta de frente para ele, insegura sobre qual seria a reação do capitão. Mas como ele não disse mais nada, ela entendeu como um sim.

        Por um tempo eles ficaram em silêncio, Petra aproveitou para observá-lo enquanto ele olhava distraído para as estrelas. Ele era diferente ali, sem uniforme. Ainda bonito, como ela sempre achou, mas menos inatingível e carrancudo do que o usual. Ela reparou em suas olheiras e pensou que essa não devia ser a primeira noite que ele não dormia, afinal. Por fim, ficou com vergonha dele perceber seu olhar e voltou-se para as estrelas.

        E aí foi a vez de Levi olhar para ela de soslaio. Ele nunca havia a visto antes sem uniforme, obviamente ele já tinha constatado que ela era bonita pois tinha olhos, mas tratando-se de seus companheiros ele via todos como iguais, não sobrava espaço para vê-los de qualquer outra forma. Mas ali, com a luz da lua iluminando-a não pôde deixar de reparar nela, nos seus cabelos dourados que combinavam perfeitamente com os olhos, no seu corpo esguio vestido apenas com uma camisola branca que mal cobria suas coxas e lhe marcava os seios... Rapidamente ele desviou o olhar completamente envergonhado. Ele nem sabia qual foi a última vez que tinha reparado num corpo feminino, talvez quando ainda era um garoto no subterrâneo. Ele já tinha estado na adolescência com uma ou duas mulheres e desde que entrara no reconhecimento e a fama por seus talentos começou a rodar as cidades, algumas mulheres desconhecidas escreviam cartas de admiração para ele, mas com a vida que ele levava, o mero pensamento nem ao menos passava pela sua cabeça há anos.

 
- A sua falta de sono é por conta da expedição de amanhã? - ele perguntou finalmente, reprimindo sua respiração um pouco mais irregular que o normal, sentindo que o silêncio começara a ficar denso demais.
- É sim... Não é que eu esteja com medo, longe disso, capitão! Mas só estou ansiosa e um pouco aflita, de talvez não ser boa o suficiente para fora das muralhas... Eu não quero decepcionar o senhor não sendo capaz de retribuir a confiança que depositou em mim... - confessou tremendo um pouco com as palavras.
- Em primeiro lugar, você finalmente pode parar de me chamar de senhor, eu sou apenas 4 anos mais velho que você. Em segundo, se eu tivesse alguma dúvida quanto a sua capacidade, não teria te escolhido para o meu time. - disse ele sem alterar a expressão ou o tom de voz e nem mesmo a encarar.
- Sim, capitão! - disse ela um pouco mais tranquila. Eles ficaram mais alguns minutos em silêncio, quando Petra decidiu falar – Eu nunca tive a chance de lhe dizer isso antes, capitão..., mas eu entrei no reconhecimento por você... É, digo, no sentido de que o senhor... senhor não, você... Você me inspirou – disse rápido se atropelando nas palavras, a expressão imutável de Levi fez com que ela continuasse. - Eu sempre quis encontrar uma forma de ajudar a humanidade a conquistar sua liberdade, mas desde sempre também ouvi sobre as perdas e o sofrimento daqueles que entravam para a tropa de exploração... Mas então, o senhor apareceu, e as notícias correram, sobre um homem que conseguia derrotar titãs com facilidade, que fez o número de óbitos do reconhecimento reduzir pela metade... isso me deu esperança, deu esperança para as pessoas de que existe uma forma de sermos mais fortes que eles... Por isso eu decidi que chegaria até aqui e que me dedicaria a servir ao senhor... você, para dar mais chances à humanidade. - Concluiu com o rosto visivelmente emocionado.
        Levi não sabia o que responder, até então ele havia odiado ser o centro das atenções toda vez que a tropa se preparava para sair por aquelas muralhas. Havia tanta dor e sofrimento envolto naquilo tudo, no fato de sempre voltar com menos membros e mais famílias para consolar, que ele ficava completamente irritado em receber ovações ou qualquer tipo de coisa, não entendendo como alguém poderia admirar um indivíduo que nem conhece só por aquela pessoa ser forte e ter habilidade com um par de lâminas. Entretanto, naquele momento, analisando de canto de olho o rosto sincero de Petra, pela primeira vez ele viu um significado diferente no trabalho que vinha fazendo até ali.

      Consternado, ele queria falar algo, mas não encontrou palavras, então simplesmente recomendou que ela fosse tentar dormir, porque precisava descansar para amanhã. Ele pôde notar um leve desapontamento no rosto de Petra, que esperava e merecia uma resposta melhor que aquela, mas ela se recuperou rapidamente, concordou e desejou boa noite para ele. Quando ela já estava quase passando pela porta que dá acesso à escada, ele chamou sua atenção.
- Ei, só queria que soubesse que está tudo bem ter medo. Eu tive medo, sabe, na minha primeira expedição. Só um imbecil que nunca viu um titã conseguiria rir de alguém que mijasse nas calças por ver um..., mas pelo que você contou, você confia em mim, certo? - Perguntou, olhando diretamente em seus olhos pela primeira vez na noite.
- Sim, capitão! - declarou ela surpresa pelo que ele falou, mas certa da resposta.
- Então confie no fato de que irei proteger você lá fora – disse ele com toda a confiança que só ele era capaz de passar quando o tópico da conversa é enfrentar titãs. Observando a expressão dela ainda mais surpresa ele rapidamente completou – assim como a toda nossa equipe, claro. Até mesmo aquele pateta do Oluo. - disse arrancando um sorriso da moça, um lindo sorriso pensou, se repreendendo logo em seguida.

      No dia seguinte, todos despertaram com o céu ainda escuro para começar os preparativos para a expedição. Petra reparou que todo o seu time estava no refeitório, menos o capitão. Então preocupada de não dar tempo de ele fazer o desjejum, resolveu levar uma xícara de chá preto, seu preferido, e um pão até ele. Ela bateu e esperou até que ele aparecesse na porta do quarto, perfeitamente arrumado.
- Bom dia, Capitão. O senhor não estava no refeitório, então resolvi trazer o seu desjejum. Imagino que você deva estar com fome. Queria aproveitar a oportunidade também para agradecer pela noite de ontem, hoje estou bem mais tranquila – disse ela corando ao lhe entregar a xícara e o prato.
Por um momento os olhos do capitão se arregalaram, o que a espantou já que ele nunca mudava sua expressão fria e tranquila. Imediatamente ela sentiu que fez ou falou algo errado, mas não teve tempo de perguntar o porquê pois ele fechou rapidamente a porta murmurando algo como "não precisava". Sentindo-se culpada ela retornou ao refeitório tentando esconder o semblante triste.

- O que você fez com a sua subordinada na noite de ontem, Levi? Eu nem sabia que você gostava de gente, ou qualquer outro ser que não seja uma vassoura - perguntou Hange boquiaberta sentada junto a Erwin ao redor da pequena mesa do quarto, onde se encontravam alguns relatórios e esquemas para a expedição daquele dia, que eles tinham se reunido logo cedo para discutir. O comandante também o olhava em busca de uma resposta, indecifrável.
- Nada do que a sua mente suja está pensando, quatro olhos. Nós nos encontramos por acaso de madrugada no terraço, ela estava com medo, eu apenas a tranquilizei. - explicou nervoso por dentro pelo rumo que a conversa estava tomando, mas não deixando uma mínima alteração transparecer.
- Que coincidência... E é por isso que ela está te trazendo café na cama? "imagino que você deva estar com fome" ... provocou ela continuando - engraçado que nunca havia visto ela ou ninguém além de nós te tratar por "você" antes! - ele estava pronto para proferir alguns xingamentos de baixíssimo calão, quando Erwin interviu.
- Deixe-o, Hange. Se ele falou que não houve nada, eu acredito. Levi mais do que ninguém sabe a importância de seguir as regras do exército, especialmente essa em particular, quando se é um membro do reconhecimento. - disse ele com calma. Algo no estômago do capitão apertou ao ouvir tais palavras, pois ele sabia que aquilo não era somente uma defesa, mas também um lembrete.
       Um lembrete do porquê ter regras de relacionamento entre companheiros. Um lembrete do porquê ele jamais considerou se envolver romanticamente com alguém, nem civil, muito menos alguém do reconhecimento. Ele já havia pago o preço de amar e perder alguém para os titãs... seus amigos, quase irmãos, Izabel e Farlan... Sua mãe que morreu na sua frente pela cobiça dos homens e seu "cuidador", Kenny, que ele desconfiava ser seu pai, que o deixou sem nem olhar para trás... Ele mais do que ninguém sabia que amar era dor. Por isso ele não amava, e sempre esteve tudo bem para ele as coisas serem assim. Ele tinha um propósito claro nessa terra, que era matar titãs e seguir o comandante até o fim em prol da humanidade. Por que agora, lá no fundo, ele sentiu um pequeno incômodo com as palavras de Erwin? 

Levi e Petra - Antes de você partirOnde histórias criam vida. Descubra agora