Capítulo K10 - Apavorado

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Flocos de neve. Está nevando em novembro. Olho para o céu e não vejo o Sol - ele fora embora. Eu olho para o lado, mas não vejo nada além da brancura vertiginosa, que me queima a pele e me faz grudar os cílios. Eu estou sozinha. Eu estou congelando e estou sozinha no jardim da mansão Graham. Por um momento eu fico observando e brincando com esses flocos, enquanto ao poucos o jardim está sendo recoberto por uma fina camada de neve. Então a neve começa a embaçar os meus olhos, e o vento insensível me leva para a Antártida. Eu me viro apenas para ver uma garotinha atrás da janela de casa - ela não abriu a porta para mim. A casa da árvore. Eu caminho para lá. Eu começo a chorar pelo frio, mas mesmo quase não sentindo meu corpo, eu me forço a caminhar para a casa da árvore. Eu conheço o caminho e, apesar do crepúsculo, eu posso chegar até lá. Eu preciso. O vento me corta e toma meu fôlego quando eu começo a subir a escadinha de acesso à casinha. Eu consigo escalar até o meio. Minhas mãos parecem não reagir ao meu comando. Estou quase tendo hipotermia. Mamãe, eu penso, e viro-me para a casa, despencando da escada. Eu fecho os olhos com o impacto da queda. Depois de algum momento muito doloroso, eu abro os olhos. Meu corpo dói. Eu vejo uma luz. É uma lanterna. É Karen. Ela veio me salvar. Mas ela não me apanha nos braços. Ela fica parada apenas olhando para mim. Por que ela não me salva? Mas então alguém surge em minha visão desfocada e me sacode. É mamãe. Eu vejo seu rosto pálido e urgente, seus olhos verdes sombrios com o sofrimento. Eu tento dizer para ela ficar calma e tirar Karen desse frio, mas ela não me escuta. "Kamilla, meu Deus!" a voz de mamãe é alta, desesperada e aguda. "Deus, você está congelando!" Ela me pega no colo e me enrola em um cobertor.

Mamãe! Meu grito ressoa pelo quarto e eu desperto de modo automático. Eu estou gelada, com o aroma de neve em minhas narinas e uma dolorosa angústia no peito. Sentando-me, tomo uma longa e profunda respiração enquanto tento regular meu ritmo cardíaco. Verificando meu celular, vejo que são 4;53 da manhã.

Tenho uma visita na gráfica hoje e uma longa reunião com o pessoal do marketing e eu tenho essas memórias persistentes em meu subconsciente que não me deixam relaxar... e eu ainda tenho uma longa avaliação com o quadro de funcionários e a capital de giros. Hum. Eu vou mandar muita gente para o RH. O pensamento de mandar embora uma dúzia de pessoas fazendo corpo mole no planejamento de papel e produção gráfica me dá uma ideia de como será o meu dia. Eu não gosto de tirar o emprego das pessoas...

O quarto de Karen está silencioso e frio... frio. Levanto-me e acendo as luzes. O quarto dela tem uma decoração moderna, mas sempre tem alguma coisa que não se encaixa no cenário; o excesso de travesseiros, a pouca iluminação e as cores em excesso na rouparia de cama são um pequeno exemplo disso. Isso é reflexo de seu transtorno bipolar.

Eu perdi o controle com ela.
Ela descobriu sobre Verônica.
Ela está em meu quarto agora.
Ela está mudando comigo.

Isso me perturba há anos. Ela foge de mim, para fugir dela. Ela é dolorosamente inconsistente.

- Srta.Inconsistente. - Murmuro, traçando seu rosto com as pontas de meus dedos em sua foto no porta retrato sobre a escrivaninha. Ela me encara de volta e é o único momento em que eu posso observá-la por mais tempo do que normalmente faria. Seus olhos, verdes como esmeraldas, eles sempre me fazem esquecer minhas mágoas, porque eu sempre vejo que ela está perdida por dentro. Em seus olhos, eu sei que dói sorrir, mas ela o faz. Karen não é o tipo de pessoa que se permite demonstrar fraquezas, e também, a que sempre tem alguma coisa a dizer. Eu não posso defini-la por suas ofensas; ela é uma das pessoas mais inteligentes que eu conheço, e é uma das mais teimosas também. Eu nunca a vejo chorando; nem mesmo quando ela está bêbada e desarma sua armadura contra vulnerabilidade. Ela não chora e, se o faz, certamente não precisa de ninguém mais que a própria companhia. Ela também não pede desculpas sem sentir remorso ou que seja obrigada a isso. - Srta. Inconsistente. - Repito - Como você seria se papai estivesse aqui?

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