TRÊS ANOS ANTES DO FIM
A ÚNICA COISA em que Aguinaldo conseguia pensar durante o resto do dia era nas palavras de Emê de Martnália.
— "Talvez eu comece a gostar de você."
Era como estar preso em um gaiola e ser libertado, para então ser preso em uma jaula. Ele se sentia livre dos sentimentos ruins da rejeição, mas ainda estava preso na ideia do talvez. Talvez ela começasse a gostar dele, provavelmente não.
Por estar tão distraído em pensamentos como esse enquanto empurrava o carrinho de compras do supermercado, não viu que uma senhorinha de idade estava logo em sua frente.
— AGUINALDO!
Parou imediatamente o carrinho, antes que atingisse a pobre coitada.
— Presta atenção, seu idiota! Se não eu acabo com você! — A senhorinha ameaçou e até levantou o braço, com o punho fechado, pra brigar com ele. Ficou assim por alguns instantes e depois virou de costas e foi embora.
Aguinaldo pediu desculpas diversas vezes, mas achava que ela não tinha escutado, pois continuou reclamando até ser perdida de vista.
— Filho, você tá bem? — Juvenal surgiu atrás e colocou um saco com cenouras no carrinho.
— Sim... eu tô bem. — Aguinaldo suspirou e levou a mão até a nuca.
— Tem certeza? Você tá meio distraído.
Eles se entreolharam por alguns segundos e Aguinaldo preferiu pensar um pouco antes de responder. Sabia que seu pai não insistiria no assunto se ele realmente não quisesse contar, mas não via motivos para não o fazer. E já que iria falar, preferia que fosse de uma maneira que ele não parecesse tão bobo.
Então se lembrou que tinha combinado, ou sido praticamente forçado a combinar, de assistir um show do Abba em sua casa com Elcione e Emê de Martnália. O mais engraçado é que haviam se passado décadas desde o último show do Abba. Se ele tinha o show gravado? Claro que não! Seria um desastre! Aguinaldo tinha certeza de que a única coisa boa sobre isso tudo é que Beltassamo não ia. Até porque com Elcione junto, ele provavelmente só passaria vergonha na frente de Martnália.
— Sobre isso... — coçou a nuca, tentando escolher as melhores palavras possíveis — acho que estou meio ansioso com uma coisa.
— O quê? — Juvenal perguntou enquanto espremia os olhos para tentar ler a data de validade de um iogurte.
— Chamei alguns amigos para assistir um show gravado lá em casa.
Juvenal levantou o rosto e ficou alguns segundos sem reação. Aquilo era estranho... muito estranho. Aguinaldo nunca chamava ninguém para sua casa, e Juvenal até duvidava de que o filho tinha amigos.
— Que foi? — Aguinaldo percebeu que tinha algo de errado com o olhar de seu pai.
— Que amigos Aguinaldo? — Juvenal arqueou a sobrancelha.
— Ué pai, meus amigos poxa... — Na verdade, Aguinaldo considerava apenas Beltassamo como seu amigo, Elcione era apenas um peso morto e Emê de Martnália alguém inalcançável.
— Eu só tô perguntando porque o único amigo de quem você vive falando é o Beltassamo, ninguém mais. — Juvenal não queria demonstrar que estava duvidando da capacidade de seu filho de fazer amizades, mas estava sim.
Desde que a mãe havia ido embora, Aguinaldo se fechou completamente para outras pessoas. Beltassamo foi o único insistente o suficiente que não se afastou na época, já que se conheciam desde o jardim de infância.
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Todos Nós Que Estamos Vivos
Teen Fiction• 🏅VENCEDOR DO PRÊMIO WATTYS DE 2023 ❤️ • Eleita como sendo uma das melhores histórias de 2022 ❤️ • Destaque no perfil oficial de YALP na estante de "Dramas adolescentes" ❤️ • Destaque do mês de agosto no perfil oficial de Romance LP! ❤️ _________...