Capítulo 02: Uma nova cidade e velhos problemas

169K 11.4K 2.3K
                                    

Uma enorme bagunça. Era a única frase no mundo capaz de descrever minha nova casa em Westwood, na época mais agitada da minha vida. Digamos que tudo que não tinha acontecido a anos acabou acontecendo em apenas alguns dias.

Eu estava deitada no meio da sala de estar, olhando para o meu gato que era o único que se divertia com as caixas jogadas naquele cômodo. Sua plenitude vinha do fato de não ter responsabilidades, problemas e uma mãe maluca para tentar lidar.

-Eu sei, Daiane. -Sussurrei, rodando nos dedos alguns fios de cabelo. Você pode até pensar que eu realmente sabia, mas na verdade o som que saia da boca da minha mãe e entrava pelo meu ouvido não estava sendo captado pelo meu cérebro.

-Se não comparecer nesse evento, eu juro por...Deus... -Qual é mãe, você nunca foi crente em nada que não seja o dinheiro. -Bom, você já sabe.

-Vou pensar no seu caso. -Foi ai que o suspiro de ódio foi escutado através do telefone, e eu ri. Daiane odiava ser contrariada ou que lhe dissessem não ao invés do famoso "Claro que sim". -Olha, eu estou ocupada. Acabei de me mudar e com toda a certeza do mundo não to afim de ser atrapalhada por seus interesses econômicos.

-Maya, não me decepcione mais. Já foi um desgosto não ter seguido com a carreira que lhe foi imposta. -Sim, ela sempre soube que estava impondo tudo que me mandava fazer na adolescência, mas não sabia que sua única filha decidiria por ela própria depois dos 18, saindo de casa com o dinheiro que ela mesma conseguiu, andando com as próprias pernas. Ou quase, já que fui morar com uma amiga, Alice, até eu me estabelecer.

Eu sabia que não teria sossego e que ela faria da minha vida um inferno por não ajudar, pelo menos, a manter sua postura social perfeita.

-Uma hora. -Disse por fim, levantando as costas do chão. -Apenas uma hora nesse evento, você finge que somos uma família feliz e eu vou embora. Nada mais, Daiane. Passar bem. -Desligo, enfiando a cara na primeira almofada (em formato de flor) que vi por perto, abafando um grito.

-Tudo bem? -O moreno dos olhos negros e sonolentos surgiu na minha sala, ou na minha quase sala. Se bem que o fato de existir um sofá já dizia que ali tinha potencial. -Ouvi um barulho estranho, acho que algum bicho ta morrendo no sótão.

-Trevor, não é porque deixei você dormir aqui umas noites, e eu espero que poucas, que você pode andar...assim. -Disse apontando para seu corpo quase nu. Não que a vista não fosse ótima, mas meu psicológico já estava muito ferido no momento.

-Você já viu o que tem por baixo. -Sorriu, mas minha cara de reprovação o fez recuar. -Tudo bem, eu visto uma roupa.

-Agradecida. -Gritei quando ele já virava no corredor. Joguei meu corpo para trás mais uma vez, enquanto Coton lambia sua pata branquinha.

Se Trevor é novidade pra você, para mim também era naquela época. Eu tinha me mudado a alguns dias, mas não tinha tempo para me organizar e precisava de ajuda. Na primeira noite, o via chegar e sair, correndo contra o tempo. Eu ficava sentada na janela do segundo andar, pensando e observando. No segundo dia tinham alguns homens de social na casa ao lado e na terceira noite Trevor estava na guia, sentado com a mão na cabeça e uma mala ao seu lado.

Minha tia sempre dizia que possuir um coração imenso tinha seus dois lados. O bom é ser generosa e amada. O ruim é não conseguir deixar de ajudar qualquer um que precise.

E la estava eu, sentando ao lado do homem desconhecido da casa vizinha.

Foi assim que ele passou a morar comigo por uns dias. Eu precisava de alguém para me ajudar na reforma da casa e da minha clínica. Ele faria, em troca de um canto para ficar. Trevor não era uma companhia ruim, e ele parecia ser uma ótima pessoa afinal de contas. Prestativo e organizado. Eu só não tive a coragem de perguntar o que o levou a perder sua casa.

-Preciso de uma amiga.

-Onde está sua amiga loira? -Ele questionou, sentando de pernas cruzadas no sofá. -Aquela que eu vi por aqui uns dias antes de...bem.

-Ela está fora de área até domingo. Foi visitar os pais dela na Inglaterra e ela costuma dedicar todo o tempo do mundo para eles, ou seja, sem celular.

-Se eu puder ajudar em algo. -Disse, com os cotovelos apoiados nas pernas, seu rosto nas mãos e seus olhos esperando uma resposta afirmativa.

-Tudo bem. -Cruzei os dedos em cima do peito, respirando fundo e olhando para o teto. -Eu tenho uma mãe. Essa mãe não é como uma mãe normal deveria ser. Ela é péssima, horrível.

-Qual é, ela não deve ser tão ruim.

-Quando eu tinha 6 anos ela deu meu gato pro primeiro que apareceu só porque ele deixou a cama cheia de pelos. -Prendi o maxilar. Flocos... -Ela me deixou procurando por dias.

-Meu conceito já foi mudado.

-Ótimo. Ela não sabe para onde eu me mudei e eu queria deixar assim, mas não levará muito para que saibam.

-Quem?

-Todos. -Ri, dando um gritinho de desespero em seguida. -Prazer, Maya Collins, filha única da dona perfeita e renomada das empresas Collinas. -Disse com ironia na voz.

-Não brinca. Você é tipo, trilionária. -Colocou a mão no peito indignado. -Por que ta aqui? Porque... meu deus.

Talvez eu devesse ter pensado melhor antes de abrir aquela parte da minha vida para quem estava morando comigo a poucos dias, mas meu estado mental me tirou o senso. Eu poderia ter sido roubada, morta ou sequestrada com pedido de resgate. Mas ele apenas se chocou por alguns segundos e depois voltou ao real.

-É, o dinheiro pode ser uma bosta. Separando famílias. -Riu, sem que humor estivesse presente. Havia apenas uma amarga decepção.

Evitando qualquer tipo de extensão na conversa, peguei meu casaco e saí de casa, respirando o ar nada fresco dos EUA. Estava distraída, pensativa.

"Volta logo Alice, preciso de você. Conheci um cara, ele ta morando comigo sabia? Não, porque você não atende o celular. Sei que está com seus pais e que não via eles a meses mas... você e minha tia estão ocupadas e eu não sei a quem recorrer pra isso. Me liga."

"Oi tia, sou eu de novo. Desculpa ter ligado pelo menos dez vezes hoje, mas é que você não atende e eu to com saudade. Volta logo de Filipinas... Preciso conversar, sua irmã, bem, ela está sendo ela *ri*. Você sabe o quanto Daiane Collins pode mexer com nossa cabeça, e...me liga ta bom? Te amo."

Não sei se era o fato de eu estar olhando para a tela do celular com os olhos marejados ou se o carro estava realmente fora das leis do trânsito. Eu não vi quem era o certo quando o veículo parou por pouco de se chocar contra meu corpo. Admito que foi um alívio quando o motorista me disse que a culpa foi dele, mas também confesso que após isso quase não escutei o restante das suas frases.

-Meu amigo, ele tem um problema sério na cabeça sabe. -Disse, calmo.

-Quem? -Voltei a olhá-lo, fingindo que havia prestado atenção anteriormente, mas não o convenci, o que o fez voltar do início.

-Ele está atrasado para um compromisso, eu não ligo pra isso mas ele me fez acordar cedo pra resgatar sua bunda e depois fez com que eu quase perdesse a minha. -Sorriu. -Ah, e meu amigo é o Allan Scott, aquele modelo que na verdade é meio feio.

-Allan Scott? -Falei olhando para o carro e depois para ele de novo. -Ele ta ali?

-Sim. Naquele automóvel.

Aquele dia só podia estar me castigando por algo. Eu sabia que iria me arrepender por querer mudar o percurso para a clínica, apenas porque eu queria ver mais a cidade, mas não imaginei que seria como entrar em uma máquina do tempo.

As memórias vinham e vinham. Senti o gosto do sangue de onde meu dente pressionou. O coração estava acelerado, eu admito também. Eu sorri, eu S-O-R-R-I. A Alice teria me dado um tapa naquele momento, pois na mente dela passa tudo que ocorre na minha, ao vivo. É como um telefone sem fio, ou uma ligação forte de melhores amigas.

Eu sabia que aquilo não acabaria ali, sabia que o destino não via a hora de colocar em nossas vidas alguns desafios, um grande amor, brigas e finalmente, uma história.

OBRIGADA POR LER, votar, comentar e ter me seguido.

O grande sedutorOnde histórias criam vida. Descubra agora