Obaluaê morre e é ressuscitado a pedido de Oxum

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Os sons de tambores preenchiam o ambiente, as palmas batendo firmes contra o couro do atabaque. Marco abriu os olhos em busca daquele barulho, tentando encontrar na escuridão quem era o ogã que puxava aquela linda cantiga que parecia penetrar seu coração. 

Podia ouvir uma voz grossa e grave cantar. Não a reconhecia, mas era tão bonita que o fazia querer dançar. O loiro olhou para seu corpo, notando-se todo vestido de branco e em suas mãos tinha uma guia que nunca vira antes. Era um braja, como descobriu se chamar após questionar a Ace certo dia antes da gira, as contas pretas e brancas se alternando e belos búzios espalhados pelo comprimento. 

Era linda e Marco sentiu que a deveria colocar no pescoço e assim o fez. A voz entoou mais alto e seus pelos se arrepiaram ao ouvir o ponto cantado em alto tom, tão fluído e certeiro que alcançou facilmente seu coração. 

Se você está sofrendo
no leito ou com frio e com dor
Com pipoca e com dendê
muita gente ele curou

Se seu corpo está ferido
e não pode mais suportar
Peça proteção á ele
que ele vai lhe ajudar!
Obaluaê! 

É Obaluaê
É Obaluaê
É Atotô
É Obaluaê
É Obaluaê

Tenho segredo da vida
do começo e do fim
O meu senhor das palhas
tenha muita dó de mim

Na procissão das almas
que partem pro infinito
Ele vai mostrando à elas
outro mundo mais bonito!

Aquele ponto lhe soava tão lindo, como uma prece ou uma oração, ou até mais. 

"Quem canta reza duas vezes", lembrou-se de algo semelhante que ouvira de Ace em algum momento, mas não se recordava muito bem quando, talvez em alguma mensagem que trocavam ou durante alguma ligação. 

E Marco sentia aquilo, a letra repercutia dentro de si, reverberava e fazia sentido, pouco a pouco sentia-se abraçado por aquela voz e cantiga, era envolvido por aquele sentimento tão puro e sincero que aflorava no âmago de sua alma. 

Lentamente seus arredores se clarearam e Marco pôde observar com mais atenção que não estava só ali. Havia uma segunda figura majestosa, recoberta por finas palhas que não permitiam ver seu corpo. Um capacete de mesmo material estava sobre sua cabeça e pode notar os búzios espalhados ali. 

Nas mãos havia um instrumento cilíndrico que ele chacoalhava sem parar conforme dançava lentamente, seu rronco curvado e seus braços balançando. 

O loiro deu alguns passos, se aproximou encantado por aquela figura que ali estava, sem saber muito bem de quem se tratava, mas lhe era tão familiar que não ousou questionar, apenas tornou a distância entre eles ainda mais curta. 

Obaluaê.

O nome surgiu em sua mente como um sopro e Marco sentiu vontade de dançar com aquele orixá, de acompanhar seus movimentos tão suaves e lentos. 

"Atotô é como saudamos Obaluaê, significa 'silêncio', nos silenciamos diante desse orixá que é repleto de mistério, que é a cura e também a morte. O silêncio nos aproxima do divino". 

Marco se silenciou e ali ficou a observar Obaluaê dançar enquanto os sons dos tambores o guiava e conduzia. Por algum motivo seus olhos se encheram de lágrimas e o orixá recoberto de palhas parou, virando para si e se aproximou. 

Obaluaê abriu os braços e tomou o loiro em um abraço, o que o fez cair no choro sem compreender o porquê. Deixou-se molhar seu rosto totalmente na água salgada, lavando seu espírito por dentro enquanto ficava dentro daquele abraço acolhedor. 

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