Capítulo 3

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  Ela não comeu, não dormiu, não descansou.

  Desembarcou em São Paulo com um sentimento errado e dormente espalhando-se pelo peito, era como ter engolido uma lâmina que havia tido a má ideia de ficar entalada na garganta com a ponta enterrada no coração, respirava errado, falava errado, engolia errado.

  Iracema havia rezado e rezado para quase todos os deuses que já ouvira sequer uma menção em sua vida.

  Correu para a casa que vivia com o pai e recebeu as más notícias, embora não soubessem para onde o pai havia sido levado, sabiam quem havia sido o mandante dos homens que tiraram Chico da cama e o empurrado por um caminho longo até um porta-malas.

  Ela estremeceu ao imaginar aquilo.

  Ela havia pressionado a bolsa com as armas a cada frase que ouviu negando o conhecimento do paradeiro do homem. Mas não desanimou, não podia, não se quiserem achar Chico com vida.

  Enfim, conseguiu a informação de um amigo de um conhecido de um conhecido dela, em um beco escuro de usuários de droga, então entrou no carro abandonado do pai e partiu desenfreadamente pela cidade, chorando e xingando o tanto que seu coração dolorido guiou a boca.

  Tinha um medo terrível de que ele já pudesse estar morto. Pensava naquilo com recorrência desde que deixou Águas Santas, ligando interruptamente para um destinatário inclinado ao sadismo, as malditas tentativas de ligação não chegavam sequer a chamar.

  Agora, estava no destino prometido detrás de uma rocha estreita meio enterrada no solo, apertando os olhos para a escuridão, na direção do galpão no limite da cidade, no centro de uma área abandonada.

  Ela estava furiosa consigo mesma, devia ter prestado melhor atenção, se tivesse insistido mais naquele desconfiança da origem daquele dinheiro todo talvez o pai nem estivesse em uma situação daquelas. Por que ele tinha que ter se metido com um dos grandes? Por que simplesmente não falou com ela? Iraci tinha certeza de que poderia ter resolvido.

  Olhou para o relógio. A qualquer momento, faltava apenas alguns segundos, não mais do que trinta supunha. O ponteiro do relógio se moveu ocioso, mas quando atingiu a passagem de exatos dez segundo os fogos de artifício se conduziram para o céu, provocando a distração perfeita, perturbando o silêncio da noite em explosões alegres naquela área sombria.

  Os guardas plantados de prontidão diante da entrada mal iluminada do local, conversaram entre si, eram dois, armados ela notou com desgosto e medo.

  Conversaram por algum tempo, inseguros se tomavam a tarefa de investigar ou não aquela perturbação.

  Eles morderam a isca afinal, ambos começaram a se mover em marcha lenta pelo mato alto.

  Iraci soltou uma respiração que não notou que estava detendo. Rápida como uma onça, ela se moveu até o galpão.

  Empurrou devagar a porta de ferro grosso somente para confirmar o que já supunha, estava trancada pelo lado de dentro.

  "Ótimo", pensou com muito mau humor. Mas se afastou do edifício para encontrar uma outra maneira de entrar.

  Havia uma janela lateral, sua única chance.

  Ela pendurou a alça da espingarda no ombro e enfio a pistola no cós da legue. Esticou os braços e içou o corpo para cima, escalou com muita cautela, usando vincos brutos na parede como suporte.

  A primeira coisa que ouviu, após pousar do lado de dentro no silêncio das solas de som isolante do tênis, foi um gemidinho abafado.

  Iraci sentiu o medo sobre ela como as sombras que a capturou e a ocultou das presenças recolhidas ao centro do edifício velho e empoeirado.

  Contou dezesseis pessoas além daquele que estava amarrado com os braços para cima, o corpo pendurado, sustentado sem piedade pela corda que descia do teto.

  Puxou a espingarda do ombro com exasperação e a esticou à frente do corpo.

  À medida que a visão se ajustou as sombras ela notou, em completo horror, que seu pai, o velho e orgulhoso Chico, era a pessoa atada pelos pulsos.

  O som do golpe sucedendo um grunhido de dor enfraqueceu o corpo dela. Engoliu um gemido de dor e se concentrou.

  Uma vez que tinha uma arma nas mãos, a mente de Iraci se transformou, a memória daquela mesma arma erguida em seus braços limpou a mente, clareou suas ações.

  Ela avançou, um avanço ligeiro, silencioso como a de um predador noturno.

  A voz dela rompeu o quase silêncio sombrio provocando mais de uma dezena de pares de olhos a se voltarem até a escuridão de onde ela emergia:

  — Solta ele, ou eu atiro em ocê.

O Caos entre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora