Capítulo 5

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  Laerte tinha um problema. E esse problema era uma coisinha pequena e linda com um talento excêntrico para espingardas.

  Ele era um homem intenso, sempre havia sido daquele jeito, desde quando era um garoto e colocou na cabeça que uma jaqueta específica tinha que ser dele. Ficou do mesmo jeito depois, com uma bicicleta, depois um carro, depois o cargo que agora ocupava mas nunca uma mulher, nunca até agora.

  Ele sonhou com ela. No sonho, ela o empurrava no chão pressionando uma faca em seu pescoço, aqueles lábios carnudos desenharam um sorriso suave e ela se inclinou para beija-lo. O beijo foi doce, e compensou a facada que recebeu no lado esquerdo do peito, apesar da dor que o provocou e o cabo da faca se projetando para fora dele, não queria ter largado dela, mas óbvio, ele não dormiu para sempre, acordou se sentindo péssimo pela sensação de dormência e calor onde a faca havia repousado em seu sono, direto no coração. Laerte soube, soube que precisava acha-la.

  E ele a achou.

  Ela estava em um lugarzinho chamado Águas Santas do qual nunca tinha escutado falar, da jurisdição dele ainda bem (se não fosse haveria uma guerra terrível para a obter). Iracema, ou Iraci, como parecia preferir, estava raspando suas economias e planejando uma fuga.

  Laerte não encontrou problemas em estragar os planos dela, interrompendo seus meios de fugir com o pai.

  Agora, ele a via do outro lado da calçada. Ela estava tentando falar no telefone e comprar remédios, embora não pudesse ouvi-la de onde estava, podia ver seus dedos correndo pelas prateleiras enquanto aguardava alguma coisa impacientemente do outro lado da linha.

  Através do vidro meio embaçado da farmácia ela ainda era a mulher mais bonita em quem já colocou os olhos, teve a mesma impressão ao vê-la emergir das sombras, como uma onça selvagem, com aqueles olhos cor de achocolatado o marcando. Aquilo o havia excitado, o jeito como ela segurava na arma, a forma como os cachos desciam em longas mechas pelo rosto sério. Ela jogou algumas embalagens no balcão e levou o farmacêutico na lábia, sorrindo com pouca vontade e pagando algum tanto a mais para que o homem liberasse o que ela queria.

  Iraci saiu do estabelecimento recebendo a chuva implacável, segurando uma sacola e pressionando o celular na orelha coberta por um capuz.

  Cruzou a rua em passadas ligeiras, falando pelo telefone baixinho e de modo irritado.

  Laerte a seguiu.

  Iraci xingou em uma esquina e desligou o celular.

  Ela teria metido uma bala nele, teria atirado nele naquela noite, sabia reconhecer uma boa tendência assassina e ela tinha tido, ela teria atirado nele, teria o matado. Aterrorizante, mas não foi, mesmo para Laerte, acostumado com a segurança de dezenas de corpos o defendendo e dezenas de armas entre ele e a morte certa, ela causou emoção, e não só emoção do tipo vida ou morte, emoção do tipo que o pegou, o espancou em um beco e o deixou para morrer quase sem vida no corpo.

  Iraci se estreitou por uma viela rumo aquele norte repleto de mato e casinhas simples, mas Laerte se aproximou avançando até sua presa por trás.

  Ela olhou para trás conforme os dedos se moveram para dentro do casaco atrás do corpo, Laerte foi mais rápido do que aqueles dedinhos ágeis, a empurrou, o choque dela contra a parede paralisou seu movimento.

  Foi ele quem sacou a arma, pressionando contra a barriga dela.

  — Me solta! Seu filho da...

  Os olhos dela encontraram os dele entre as gotas frias de chuva, ela paralisou, seus olhos de chocolate se arregalaram e os lábios ficaram ligeiramente separados.

O Caos entre NósOnde histórias criam vida. Descubra agora