Polegar

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Jihyo arranhava seu polegar com a unha do indicador. Se sentia em algum tipo de templo do tempo onde dez minutos da vida real eram mil horas lá dentro. Odiava salas de espera desde...

Teve outro daqueles seus pesadelos na noite passada. Nele via Chaeryeoung em todos seus estágios de decomposição, um a um, até não restar nada que não fosse ossos. Quando acordou suada e com o rosto marcado pelos riachos que nasciam em seus olhos eram 2:30 da manhã, e não dormiu desde então. Podia tentar esconder, mas as tatuagens escuras sob seus olhos denunciavam.

Um garoto saiu da sala, em seguida de uma mulher segurando uma prancheta. Chamou seu nome. Jihyo arranhou seu polegar um pouco mais forte. Hyuna tocou sem ombro, murmurando em silêncio "vá". Não havia desculpas, não havia como fugir. Ela tinha que ir. Levantou de seu banco, andou em passos tão lentos que parecia não sair do lugar.

A sala tinha uma poltrona, uma mesa e um armário com alguns jogos e brinquedos infantis em cima — provavelmente, a doutora atendia crianças também. Sentou sobre o acolchoado. Cruzou seus braços, aquilo trazia mais segurança e conforto para si mesma.

— Bom dia, Jihyo — a mulher sorriu.

Park não respondeu.

— Então, você quer dizer sobre o que que te trouxe aqui?

"Pessoas que acham que podem se intrometer na minha vida", ela pensou. Raciocinou muito, muito mesmo antes de da qualquer resposta que a colocasse no vermelho.

— Coisas demais — resmungou.

— Me fala uma, então.

Seu polegar começou a doer. Ficou calada. A psicóloga passou a caneta pelo bloquinho em sua mesa. Droga. Era exatamente aquilo que Jihyo não queria que acontecesse.

— Tem problemas pra dormir?

— O quê? — indagou, meio incrédula. Parecia que ela já sabia, e perguntava apenas por perguntar. Ou que era algum tipo de vidente que sabia ser certeira nas perguntas.

A mulher apontou para os próprios olhos com a caneta, fazendo a coreana passar as mãos sobre as marcas sob os seus.

— Talvez um pouco.

— Pesadelos? Insônia?

Seu polegar ficou cada vez mais vermelho. Conteu um grunido de dor em sua garganta.

— Uma pouco dos dois.

— Sabe dizer com que frequência.

Park hesitou.

— Todas as noites...

— Com o que você sonha?

A única coisa que Jihyo pensava era: "eu não vou chorar, eu não vou chorar, eu não vou chorar". Fugiria dali se pudesse. Não conseguia descrever o quão desconfortável era olhar para a doutora enquanto ela a encarava em silêncio, esperando uma resposta.

— Com a... minha filha.

— Ah, você tem filha?

Seu polegar sangrou. Naquele ponto, sabia que, no mínimo, tinham contado algumas — muitas — coisas para aquela mulher.

— N-não mais.

[...]

Pol que eu tenho que vestir isso? — Seungmin resmungou, apontando para a fralda.

— Porque — sua mãe colocou suas perninhas em cada buraco da fralda, puxando-a para cima —, já que você não vai parar de fazer xixi nas calças, vai usá-las até aprender.

O menor resmungou, tentando tirá-la, mas Sana deu um tapinha fraco em suas mão.

— Não me bota de castigo...— ele choramingou.

— Isso não é um castigo, meu filho — sorriu gentilmente.— É só pra... até você aprender, ok? Assim que começar a fazer xixi no banheiro a gente não usa mais.

Sana beijou a bochecha do menino. Terminou de vestir seu uniforme. Naquele dia, ela tinha preparado uma surpresa no café para Seungmin — talvez para se desculpar pelo jeito que agiu na noite passada. Tinha feito uma vitamina de banana que ele tanto amava, mas não tomava há uns meses para economizar nas frutas, leite e açúcar.

A japonesa ainda não esquecia aquelas palavras. Autista. E seu sangue sempre fervia quando lembrava. Autista.

Pelo amor. Ela não conseguia entender de onde aquelas duas tiraram aquilo. Seungmin falava. De uma forma extremamente precária comparado à outras crianças da  idade, mas falava. E ela tinha plena convicção de que, se ele fosse, nem de forma precária ele falaria.

Mas, para falar a verdade, doía pensar que era daquela forma que viam seu filho. Não acreditava que achavam que seu filho era um... retardado. Não. Seungmin era normal. Perfeito. Ele era...

— Você gostou? — a maior perguntou.

— Muito!

Sana sorriu depois de se contagiar com a alegria do menino. Pelos deuses, ela amava aquele sorrisinho.

Ela acabou só tomando um café, já estava em cima demais da hora. Escovou seus dentes e o do seu filho e saíram de casa. O garoto já tinha desistido de lutar contra o abandono naquela selva todos os dias, simplesmente... esperava sua mãe voltar e lhe salvar daquelas feras que chamavam de: crianças entre 5 e 6 anos.

Teve o azar de trombar com Jeongyeon de novo quando passava pelo pátio. Tentou apressar seu passo, fingir que não havia a visto. Mas, porra, ela a alcançou.

— Espera, Sana — ela disse.— Por favor.

A japonesa revirou seus olhos.

— O que você quer?!

— Nós não queríamos te ofender — murmurou.— Queriamos te alertar. Não é normal um-

— Cala a boca! — esbravejou.— O meu filho é normal. Ele não é...— olhou ao redor para ver se não tinha ninguém, mas mesmo assim se aproximou mais da coreana.— Ele não é nenhum maluco. Nenhum doente.

— Sana...

— Deixe eu e meu filho em paz — apontou em sua cara.— Não quero mais ouvir essas merdas.

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⏰ Última atualização: May 18, 2022 ⏰

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A bruxa do 607Onde histórias criam vida. Descubra agora