XI

1 0 0
                                    

Um tonteamento deu início à convalescença da consciência, naquele ímpetorefrescante de reanimar. O teto do lugar era escuro, como manchado por fumaça, e o cheiro,insuportável, igualmente de carvão, querosene e outros inflamáveis. A temperatura eraaltíssima, fazendo-o porejar todos os líquidos do corpo pela testa em febre. Vislumbrou umatosse, mas segurou sua mão encardida sobre a boca, sujando os lábios. Dois homensconversavam por perto e o som de um bater metálico podia ser ouvido próximo. Soltou maisuma vez as pálpebras num abrir medroso, receando ser pego. Virou disfarçadamente o rostonum palpitar retumbante. Percebeu uma mão adulta arroxeada e suja rente a ele. O dono domembro estava sem a cabeça. Atrás dele, outros tantos estavam também jogados e após,outros. E mais outros. E uma pilha de corpos formava-se. Distante, pôde constatar os doishomens que conversavam. Fumando e falando sobre futebol, um deles segurava uma pá ecom ela pegava os corpos e os jogava na fornalha que via longe na linha da ponta de seus pés,de onde nascia uma luz. Uma luz mortífera e implacável. Era um grande forno. Apertou osolhos. O medo lhe tomava impiedoso, mas os instintos falavam e assumiam seus mandos. Oshomens saíram, possivelmente era hora do almoço, ou da janta, e passaram com suas botinaspróximas de sua cabeça. Nesse momento, viu o levantar de alguém. Um senhor magro ebarbudo, que mastigava algo. "Ei! Chamou-o". O homem, feito um animal selvagem, cessouas mastigações num reflexo forte de cabeça, mantendo o silêncio e um olhar desconfiado."Senhor..." — continuou. O idoso, encarando-o e dando mais uma mordida na carnevertendo sangue feito esponja em suas mãos, parecia em outro mundo ou dimensão. Osdentes grudavam em cada pele e os ossos sendo expostos do alimento. Até ver que o restantedela terminava num braço humano. A mão posta em sua boca era de outro prisioneiro alimorto. Desolado, deixou descer uma lágrima do olho direito. "Senhor, me ajude a sair daqui"."Você jamais vai conseguir fugir daqui". "Mas...". Escutou o roçar das solas secas dos doishomens que já estavam de volta. Deitou-se rapidamente fechando os olhos. "O que é isso?"— questionou um deles sacando um revólver .40 e atirando contra o idoso, que caiu mortoem cima do outro corpo que antes comia. 

O Frigorífico Luz VermelhaOnde histórias criam vida. Descubra agora